Luís Roberto Barroso, em seu texto “judicialização, ativismo judicial e legitimidade
democrática”, reflete sobre a crescente participação do Poder
Judiciário na vida institucional brasileira, bem como a respeito das possíveis
consequências deste fato. Conceitua,
destarte, judicialização: para ele, este fenômeno é representado por questões
de larga repercussão, por fatores políticos ou sociais, sendo resolvidas pelo
Judiciário, em detrimento das instâncias usuais, advindas do Poder Executivo.
De fato, nota-se recentemente grande
inflação do Poder Judiciário, que passou a deliberar e decidir sobre casos que,
via de regra, estariam em voga nos órgãos do Executivo: recentemente, por
exemplo, foram noticiados e analisados acontecimentos que indicariam
judicialização da saúde –rebatidas pela recente declaração da Presidente do
Supremo Tribunal, Cármen Lúcia, de que “não [há a judicialização
da saúde]. Há a democratização da sociedade brasileira, do cidadão que até a década
de 1980 morria sem saber que tinha direito à saúde e que podia reivindicar esse
direito. Como juíza o meu papel é garantir esse direito”. O fenômeno discutido
é controverso: por um lado, posicionamentos como o da Ministra, favoráveis,
apontam que nada mais é senão a efetivação de direitos pelo Judiciário. De
outro, os críticos afirmam que este acontecimento traz ainda mais desigualdade –
nem é necessário sair do âmbito da saúde, já que o Ministro da Saúde de 2014,
Arthur Chioro, declarou que as decisões da Justiça fazem com que recursos sejam
tirados dos mais pobres para beneficiar os mais abastados. Neste aspecto, o
posicionamento de Barroso aponta fator determinante para justificar a existência
da judicialização: esta decorreria não da vontade do juiz, mas sim do constituinte.
Para o autor, conquanto se atenha à interpretação e aplicação da Constituição,
o fenômeno é, com efeito, necessário.
Em suma: o Judiciário é o
guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos
fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos
outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas hipóteses, se dará a
favor, e não contra a democracia. (BARROSO, p. 19)
Pode-se,
então, relacionar as ideias do autor ao julgado da ADI 4277, pelo qual os
Ministros do STF reconheceram a união estável para casais
do mesmo sexo. Trata-se, em análise cautelosa, de um caso de judicialização. Não
obstante, de encontro ao já elaborado por Carmén Lúcia e por Barroso, a decisão
vinculante em questão foi apenas maneira de dar eficácia à Constituição
(especificamente ao Art. 3º, IV), em defesa de direitos fundamentais, mesmo em
face do Poder Executivo. Ou seja, o entendimento de Barroso e a decisão do STF
se corroboram mutuamente, em favor da democracia e da defesa das minorias. De
fato, o Poder Judiciário agiu, em visão crítica, de forma à combater uma forma
de discriminação pela escolha sexual que colidia diretamente com a Constituição
Federal, e, portanto, sua ação trouxe importante avanço social, revelando-se
necessária e justa, malgrado seja considerada parte do fenômeno da judicialização
(que se mostra então até mesmo positivo na égide social).
Por fim, a frase proferida pelo
Ministro Luiz Fux no dia da decisão é emblemática e representa a função do
Poder Judiciário de utilizar o Direito como instrumento de emancipação, como já
preconizado por Boaventura Santos: “É hora da
travessia. Se não ousarmos fazê-la, ficaremos para a eternidade à margem de nós
mesmos”.
Gabriel Cândido Vendrasco - 1º ano (diurno)
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