Os fatos
sociais, objetos de estudo da Sociologia, são classificados pelo sociólogo
francês Émile Durkheim como “maneiras de agir, de pensar e de sentir,
exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do
qual esses fatos se impõem a ele”. São, então, ações independentes da
consciência individual que, por sua recorrência na sociedade, apresentam uma resposta
punitiva contra qualquer tipo de resistência.
Considerando
as características apresentadas, o Direito seria o exemplo mais óbvio e
universal de fato social, uma vez que é um dos agentes responsáveis pela
manutenção do equilíbrio social e, segundo o próprio Durkheim, “só há fato social onde há
organização definida”. Entretanto, quando o poder judiciário falha em sua
função de julgar aqueles suspeitos de transgredirem a lei, o Direito perde
parte de sua força coercitiva e dá origem a outro fato social: o linchamento.
Numa primeira análise, os
linchamentos não parecem fato social, justamente por aparentemente irem contra
o princípio da organização, mas correspondem a todas as características citadas
anteriormente.
Segundo dados coletados pelo
sociólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) José de Souza Martins,
autor do livro “Linchamentos – A Justiça Popular no Brasil”, cerca de um milhão
de cidadãos brasileiros participaram de ocorrências de violência coletiva nas
últimas seis décadas. A estatística, obtida através de análise de 2028 casos
entre 1945 e 1998, reforça o caráter de generalidade dos linchamentos. E, mesmo
que boa parte dos brasileiros não envolva-se na prática desse tipo de crime,
não é raro ouvir frases como “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos
para humanos direitos” saírem da boca da população.
A exterioridade do fato social é
evidenciada na fala de Martins, em entrevista à Revista Fórum: “O linchamento
é uma modalidade de violência coletiva, de multidão, socialmente autodefensiva.
O linchador lincha em defesa da sociedade, que ele julga ameaçada”. Entende-se,
então, que, sozinhas, as pessoas não seriam capazes de praticar tal atitude
violenta. A adesão ao ato depende, assim, de noções disseminadas por um agente
externo e anterior ao próprio indivíduo.
É aqui que
entra o fator de coerção social. Se o crime é algo abominável e passível de
punição dentro do convívio social, o que faz com que a população envolva-se com
a prática de linchamento?
É
indubitável a influência da mídia na formação da opinião pública. Consequentemente,
o tratamento dado à cobertura da criminalidade pelos veículos de comunicação é
responsável pela hipérbole das sensações de impunidade, provocando uma
necessidade de vingança, e insegurança, fomentando o medo. A pesquisadora Ariadne
Natal, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo
(USP), afirma que “este tipo de imprensa tem um papel significativo em rechaçar
direitos humanos e propagar a ideia de que respeitar direitos de suspeitos e
criminosos é estimular o crescimento da violência e da criminalidade. Não são
raros os casos em que os apresentadores fazem defesa da pena de morte, da
tortura de presos, da justiça pelas próprias mãos e do extermínio de suspeitos”.
Dessa forma, a população toma como seu dever fazer com que aquele que cometeu
(ou não) o crime responda por seus atos, e aquele que resiste a essa atitude é
acusado de ser conivente com as transgressões. Exemplo disso encontra-se na fala
da jornalista Rachel Sheherazade que, ao comentar a atuação dos chamados “justiceiros”,
declara: “E, aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do
marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil,
adote um bandido”.
Além disso,
a própria divulgação dos casos de linchamento contribui para a formação de um
ciclo de violência, uma vez que incita outros indivíduos a atuar em situações
semelhantes. Destarte, o espetáculo da barbárie continua sendo televisionado, enquanto inocentes padecem devido à irresponsabilidade daqueles que tem o dever de informar.
Lisa Abdala Garcia - 1º Ano Direito (Noturno)
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