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terça-feira, 9 de agosto de 2016

Mas as pessoas da sala de jantar são viciadas em nascer e morrer

Émile Durkheim expõe em sua obra “Que é fato social?” a sua concepção sociológica de organização, estruturação e vicissitude da sociedade, numa perspectiva de ação do grupo social, de uma entidade composta de sujeitos, sobre o indivíduo. Isto é: exprime-se uma prevalência da sociedade sobre os corpos individuais.

Numa perspectiva de racionalidade e de criticidade à interferência dos sentimentos e aspectos subjetivos na busca da verdade sociológica, o francês expõe o conceito de fato social, que deve ser observado como “coisa”: tudo aquilo que independe do indivíduo e que tem como base a ação do homem na sociedade, conforme as regras sociais e de maneira coercitiva, uma vez que as dissidências ao fato social são passíveis de sansão social com o intuito de se restabelecer a norma.

Nesse sentido, há uma causa eficiente que explica qualquer fato social. Tal causa é um determinado fenômeno que performa certa função, de modo que a explicação para um fato social encontra-se em outro fato social, não em disposições individuais. O sociólogo critica, então, a teoria de que aspectos da sociedade remontam assim o são em razão de perspectivas pessoais, psíquicas e subjetivas, numa ótica individual. Na realidade, ocorre que a sociedade, os padrões sociais e tudo o que a envolve se constituem dessa forma em razão de um motivo conjuntural e coletivo, de forma a manter o equilíbrio e a coesão social; afinal, a sociedade representa uma consciência coletiva, não compartimentada individualmente. Nessa mesma linha de pensamento, é notório que os fatos sociais existem para a manutenção de sua causa (retroalimentação do sistema).

É válido perceber, nessa toada, que os sentimentos e percepções comuns são originários de uma dinâmica social que os constroem e os predispõem; não são frutos da somatória da consciência individual -que provavelmente é plural, dada a existência e inúmeros participantes de uma sociedade- de cada integrante do coletivo. Daí nota-se, portanto, a prevalência durkheimniana da sociedade sobre o indivíduo. Surge-se como exemplo do exposto, a ideologia do individualismo: é fruto de uma realidade social e de inculcação pelo sistema educacional nos personagens da sociedade, o que cria um imaginário coletivo, não individual. Resume-se que o fato social vem antes da ideia do indivíduo, à titulo de elucidação: enquadra-se o individualismo no fato social.

À luz do exposto, nota-se que os fatos sociais se projetam no cotidiano dos indivíduos e das coisas: convenções sociais, maneiras de comportamento, vestimentas e relações interpessoais. Nesse sentido, não se exclui, portanto, que o modo de se viver pode ser configurado também como um fato social. Apreciar-se-á o modelo de vida monótono, submisso ao sistema e padronizado, seguindo a criticidade da letra de uma música da Tropicália.

Nessa perspectiva, a canção “Panis et Circences”, dos Mutantes,  revela a luta do cantor, que pode ser compreendido como um indivíduo revolucionário, em abrir o mundo das pessoas na sala de jantar, que podem ser entendidas como a sociedade, regida por fatos sociais: monotonia e padronização cega da vida. A sociedade, satisfeita com o que lhe é dado pelo sistema (personificado nas figuras do pão e do circo), é coesa dessa maneira, de forma que os fatos sociais apresentados servem para sustenta-la a fim de evitar a ruptura do coletivo.

No bojo disso, o compositor chega a expor que soltou “os tigres e os leões no quintal” e que matou o seu amor “às cinco horas na avenida central”, fatos de grande visibilidade que, numa perspectiva metafórica, evidencia as ações, do indivíduo contestador do fato social, para modificar o mundo e quebrar a “harmonia social”; contudo, apesar das ações do indivíduo em chamar-lhes a atenção, as pessoas (sociedade) são ocupadas em “nascer e morrer”: vivem numa vida banal, conivente ao sistema e sem aventuras. Reflexão que revela, inclusive, a sobreposição da sociedade sobre o indivíduo e a força coercitiva da consciência coletiva. Dessa forma, o fato social conserva a sociedade da maneira que ela se encontra, jantando o pão em sua sala de jantar. A dissidência ou é silenciada via opressão ou ignorada, como o caso do compositor.

Autor: Luiz Henrique Garbellini Filho. Turno: Diurno. (1 texto somente para Durkheim)


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