Numa ideia geral, os movimentos “rolezinho” seriam para “zoar, dar uns beijos,
rolar umas paqueras” ou “tumultuar, pegar geral, se divertir, sem roubos”, de
acordo com a descrição dos organizadores; de forma geral, seria a periferia se
divertindo no espaço criado para que as classes média e alta se separassem
deles (obviamente, isso não está escrito em nenhuma espécie de estatuto do
shopping, mas, na essência, é isso mesmo). Com todos os muros, tinham também as
marcas que separavam os artigos de luxo dos jovens da periferia, mas por alguma
razão, a burguesia tão liberal se incomoda muito ao ver tal jovem usando a
mesma camiseta, mesmo que ilegítima.
Dessa forma, os liberalistas recorreram à justiça (também liberal) para cercear
o movimento através de juízes liberais, mostrando toda a limitação do direito a
livre manifestação, argumentando que essa prerrogativa deve ser limitada (não
era livre?), uma vez que pode transgredir outros direitos (não é exatamente
nesse ponto que toda lei e direito se limita? Quando interfere em outro?). E
baseando-se nesse ponto que o juiz defensor do liberalismo econômico e direito
a propriedade privada cerceia o movimento com uma multa cominatória de 10.000
reais ao dia mais a considerada presença da polícia, defensora dos interesses
públicos, para evitar a realização do evento de jovens da periferia.
Entretanto, é muito pouco dizer que essas medidas se restringiram somente ao movimento,
já que muitas testemunhas relatam a “escolta” pela Polícia Militar de jovens de
aparência periférica (funkeiros) que estavam na dita propriedade privada de
finalidades comerciais sem qualquer relação com os eventos programados, seguida
da familiar revista e encaminhamento à delegacia dos jovens no espaço exterior
do shopping do qual foram retirados.
O que causa, então, tanta revelia nos burgueses tão liberais num local de
tamanho liberalismo econômico como o shopping? É o desejo de consumo enraizado
nos jovens marginalizados em cena? É o asco causado pela música que prega a
ostentação escutada por eles? É a própria hipocrisia desses liberais, que
também ostentam marcas, também desejam consumir coisas que não podem comprar, e
faz com que esse desejo na outra classe (ou raça?) seja tão incômodo? Ou é o
puro e nojento racismo?
De qualquer forma, ao cercar o movimento, criam-se tantos paradoxos e formas de
hipocrisia com discursos vazios sobre leis vazias feitas para assegurar somente
o espaço daquele que de fato tem dinheiro pra ser assegurado, ignorando-se toda
a pachorra que esse tal de liberalismo se propõe a defender, permitindo que
juízes favoráveis a um ideal tão egoísta usem as ferramentas jurídicas para
reafirmar o apartheid intrínseco aos centros de comércio de luxo.
Amanda Segato e Ciscato - 1º ano Direito noturno
Amanda Segato e Ciscato - 1º ano Direito noturno
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