Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 27 de outubro de 2019

O valor da cultura irreconhecido pelo STJ


Vinculada a debates sobre interculturalidade, associando a questão sobre o poder do Estado laico, juntamente com pauta da doutrinação religiosa e as competências do ensino público, a rejeição do STF à Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) acarretou na permissão do ensino confessional nas escolas. Em um confronto finalizado por 6 votos a 5, é interessante destacar o posicionamento de alguns ministros como o de Gilmar Mendes, que ironizou o Estado laico em uma alusão ao monumento do Cristo Redentor como símbolo da influência cristã no Brasil, reforçando assim que a religião está presente na cultura nacional,  o de Luís Roberto Barroso, que, contrário ao caráter confessional das aulas de ensino religioso, dissertou do ponto de vista da laicidade do Estado, alegando que o fato de uma religião se apropriar de um espaço público ser uma evidencia do velho patrimonialismo, e o de Alexandre de Moraes, no qual, contrariando Barroso, entende que o ensino religioso nas escolas, assegurado pela constituição, tem função apenas de apresentar ao estudante uma visão de mundo a partir dos dogmas da fé, acusando que a ADI debatida de ser uma tentativa enganosa de criar uma doutrina religiosa provida pelo Estado. A partir de tais argumentações é possível compreende algumas perspectivas acerca do tema, evidenciando as problemáticas vinculadas a esse.

A partir das exposições, entende-se que o medo da doutrinação religiosa, juntamente com a supressão das religiões de outras culturas, é pertinente, dado que a soberania do catolicismo no Brasil é vidente e a resposta do STJ apenas reforça tal fato visto que de forma alguma valoriza as outras culturas. Embora a disciplina de ensino religioso seja de caráter facultativo, cabendo aos estados e municípios regular o que é aceitável a ser lecionado, a decisão vai na contramão da necessidade do ensino público de não poder estimular doutrinas religiosas, pois esse deveria ser aberto a todos os credos. Essa limitação e falta de estimulação a inserção de outras religiões dificulta a chamada Hermenêutica Diatópica, proposta pelo Professor Boaventura de Souza Santos, que é um fenômeno no qual os indivíduos no momento em que reconheceriam as finitudes de sua cultura, o que inclui sua religião, buscariam completude em outras culturas, alterando positivamente o prisma do qual o indivíduo utiliza para formar suas perspectivas.

Boaventura fala ainda sobre a dificuldade da interculturalidade na atualidade, visto que há culturas fortes e predominantes que sobrepõe outras culturas. Com isso, entende-se a importância de que o ensino fundamental, que forma o caráter do cidadão na sua menoridade, seja aberto a inserção da interculturalidade, dado que, além de enriquecimento cultural, promove a criação de um indivíduo que respeite as diversas culturas.

 Sobre a questão da laicidade, é possível afirmar que o posicionamento do STF rompe com o conceito de Estado laico, dado que a medida exibe uma não neutralidade do Estado frente a confissões religiosas. De fato, o que se espera da laicidade é que ela proteja a liberdade religiosa, fundamento esse defendido pela proposta de ADI. Contudo, não se pode deixar de notar que no Brasil há uma soberania religiosa do catolicismo, que, incrustado na cultura nacional, exerce um poder de influência gigantesco que deve ser, ao mesmo tempo que respeitado, debatido.

Dessa forma, nota-se uma intenção do STF em defender a manutenção do catolicismo como influencia religiosa soberana. O não pavimento do ADI, ao mesmo que é uma perda de oportunidade para estimular o conhecimento de outras religiões, aumentando o respeito entra ambas a partir da educação, dificulta que a progressão da hermenêutica diatópica de Boaventura. Dessa forma, deve-se estimular que o corpo cível da sociedade, que contempla várias religiões, exerça pressão nos municípios para que as regulamentações do ensino público não suprima o multiculturalismo, regulando o ensino religioso a um padrão aceitável a ser lecionado.


Matheus de Vilhena Moraes - Direito (noturno)

Nenhum comentário:

Postar um comentário