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domingo, 27 de outubro de 2019

Ensino religioso confessional: a ADI 4439/DF

          "A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem"(SANTOS, p.7). Dito isso, tem início a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439/DF sob a perspectiva da Hermenêutica Diatópica proposta por Boaventura de Sousa Santos em sua obra intitulada "Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade". 
          Em 27 de setembro de 2017, foi declarada improcedente a ADI 4439 pelo Supremo Tribunal Federal, a qual procurava por meio do devido processo jurídico declarar a inconstitucionalidade das propostas que visavam à implementação do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras de ensino fundamental, segundo as quais seriam ministradas aulas com conteúdo religioso respectivo ao credo individual, em horário ordinário de aulas, com presença discente facultativa e por professores devidamente credenciados por chamamento público. A temerosa questão a ser resolvida é: essa decisão fere a liberdade religiosa no Brasil?
          Primeiramente, é de grande valor ressaltar que o ensino religioso está dotado de previsão legal no artigo 210 da Constituição Federal de 1988, que diz:"Art.210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. §1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental." Dessa forma, o que entra em critério de análise de possível inconstitucionalidade não seria, nesse momento, o ensino religioso per si, mas sim a sua implementação na modalidade confessional. Feito esse esclarecimento, torna-se cabível explanar o que seria o ensino em questão: trata-se, segundo Brenda Lícia (autora do texto "Ensino Religioso x Ensino Religioso Confessional" no Jornal Lumos Jurídico), "de disciplina em que as aulas seguem ensinamentos de uma religião específica".
          Ante o exposto, o projeto de ensino religioso confessional viria para possibilitar o melhor conhecimento das diferentes religiões, separadamente, pelos estudantes. No entanto, sabido que a religião católica é mais disseminada no país do que as demais, é de se esperar que ela conquiste maiores espaços no ambiente escolar, já que possui maior número de adeptos que se disponibilizariam para fazer parte do corpo docente das escolas públicas. Logo, em relação a essa perspectiva aqui apresentada, afirma Elcio Cecchetti, coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper), "as outras instituições saem em desvantagem. Fico imaginando como uma instituição como a umbanda, que não tem editoria, não tem TV, não tem estrutura, vai formar professores para dar aula nas escolas. Como as culturas indígenas vão preparar professores? Estamos selando uma desigualdade de partida." Nesse sentido, embora se argumente que a matrícula nessa determinada matéria escolar seja facultativa, a representatividade torna-se a principal problemática, pois é possível afirmar que o ensino religioso confessional não fere a liberdade religiosa, mas dificulta que esta seja praticada no Brasil em sua mais lata essência.
          Em consonância a isso foi citado o trecho da obra de Boaventura de Sousa Santos acerca do que ele denominou  hermenêutica diatópica. Surge ali a ideia do diálogo entre as divergentes culturas, a noção de incompletude das individualidades culturais e a necessidade de reconhecimento da diversidade, seja nos lugares atingidos pelas globalizações, seja nos lugares ainda dominados por localismos. O progressismo na visão do autor seguiria cinco importantes premissas, as quais devem também ser acopladas no debate sobre temas que envolvem a religiosidade no país: primeira, da completude à incompletude; segunda, das versões culturais estreitas às versões amplas; terceira, de tempos unilaterais a tempos partilhados; quarta, de parceiros e temas unilateralmente impostos a parceiros e temas escolhidos por mútuo acordo; e quinta, da igualdade ou diferença à igualdade e diferença. 
          Dessa forma, segundo afirmou o Senhor Ministro Alexandre de Moraes em seu voto durante sua avaliação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439/DF, "a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos - políticos, filosóficos, religiosos - e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo". Portanto, considera-se aqui que a a base legal do ensino religioso confessional em escolas públicas a nível fundamental alcançada através da improcedência da ADI 4439 promove o silenciamento indireto das minorias religiosas que, embora possuam um menor espaço de atuação social, também se fazem presentes, sendo tal decisão um entrave para a representatividade dos diferentes credos do povo brasileiro nas escolas, que deve ser não apenas quantitativa, mas qualitativamente igual.

Marco Alexandre Pacheco da Fonseca Filho - 1º ano de Direito (Diurno)

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