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domingo, 27 de outubro de 2019

A Hermenêutica Diatópica e o Ensino Religioso


O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente, no dia 27 de setembro de 2017, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, a qual solicitava que o ensino religioso nas escolas públicas não fosse vinculado a uma determinada religião e que não fosse permitida a admissão de representantes de tais religiões na qualidade de professores. Em outras palavras, a ADI pedia que essa disciplina fosse voltada ao estudo histórico-cultural das religiosidades, pois manteria o seu caráter laico conforme dita a Constituição Federal no dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dessa forma, ao STF julgar o caso improcedente, o pluralismo e o diálogo intercultural nessa disciplina é afetado.

Em primeira análise, a educação pública visa oferecer acesso às faculdades básicas do pensamento crítico, uma vez que a formação do aluno compete a diversas frentes do conhecimento. Nessa perspectiva, a privação do acesso às diferentes formas de expressão religiosa subtrai a função social da Escola, posto que compete à ela a promoção do discurso pluricultural de inclusão social. De modo equivalente, o pensador Boaventura Sousa Santos exprime na “Revista Direitos Humanos: o Desafio da Interculturalidade” que “Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”, nesse âmbito, observa-se a questão da não representatividade no panorama estudantil, porquanto o discente submete-se à doutrina imposta pela escola, não permitindo o caráter individual de expressividade proposto por Sousa Santos.

Depreende-se, assim, que, a religião cristã, predominante no nosso país, cerca de 87% da população nacional, de acordo com o IBGE 2010, é fruto da herança opressora colonialista em vista da globalização hegemônica imposta às terras do “Novo Mundo”. Sobre tal fato, de acordo com Sousa Santos, compete-se a ideia do localismo globalizado, que consiste na ampliação de um fenômeno local à esfera total. Ou seja, a expressão majoritária da doutrina católica cerceia a possibilidade de uma associação entre o ambiente escolar e a formação de ensino religioso, dado que a histórica visão dessa vertente foi moldada a continuadas infrações à dignidade humana. Em decorrência disso, a improcedência da ADI reforça a manutenção do caráter coercitivo da cultura do dominante, em oposição à hermenêutica diatópica, proposta por Boaventura, a qual baseia-se na ideia de que a ampliação da consciência de incompletude mútua, entre as culturas, proporciona um diálogo pacífico e multicultural.

Ademais, há quem diga que o Estado laico fere a liberdade religiosa e desvaloriza a crença, na medida em que contrapõe a visão centralizadora da fé. No entanto, como disse o ministro Marco Aurélio, em seu voto na ADI 4439, a laicidade estatal “não implica o menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim, afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual”. “O Estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico”. Assim, conclui-se que uma religião não é prejudicada pelo Estado laico, apenas a sua força impositiva sobre outras religiões menos expressivas é enfraquecida.

Por conseguinte, uma vez que a democracia pressupõe o pluralismo sócio-cultural, é necessária a valorização da hermenêutica diatópica para se promover uma política igualitária e emancipatória. Portanto, a descontinuidade da ADI 4439 representa um retrocesso na desconstrução da herança opressora dos “vencedores”, posto que a ação visava o não estabelecimento de uma visão unilateral do ensino religioso confessional.

Juliana Silva Pastore - Direito/1° Ano (Matutino)

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