O Supremo Tribunal
Federal julgou improcedente, no dia 27 de setembro de 2017, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4439, a qual solicitava que o ensino religioso nas
escolas públicas não fosse vinculado a uma determinada religião e que não fosse
permitida a admissão de representantes de tais religiões na qualidade de
professores. Em outras palavras, a ADI pedia que essa disciplina fosse voltada
ao estudo histórico-cultural das religiosidades, pois manteria o seu caráter
laico conforme dita a Constituição Federal no dispositivo da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação. Dessa forma, ao STF julgar o caso improcedente, o
pluralismo e o diálogo intercultural nessa disciplina é afetado.
Em primeira análise, a
educação pública visa oferecer acesso às faculdades básicas do pensamento
crítico, uma vez que a formação do aluno compete a diversas frentes do
conhecimento. Nessa perspectiva, a privação do acesso às diferentes formas de
expressão religiosa subtrai a função social da Escola, posto que compete à ela
a promoção do discurso pluricultural de inclusão social. De modo equivalente, o
pensador Boaventura Sousa Santos exprime na “Revista Direitos Humanos: o
Desafio da Interculturalidade” que “Temos o direito a ser iguais quando a
diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade
nos descaracteriza”, nesse âmbito, observa-se a questão da não
representatividade no panorama estudantil, porquanto o discente submete-se à
doutrina imposta pela escola, não permitindo o caráter individual de
expressividade proposto por Sousa Santos.
Depreende-se, assim, que,
a religião cristã, predominante no nosso país, cerca de 87% da população
nacional, de acordo com o IBGE 2010, é fruto da herança opressora colonialista
em vista da globalização hegemônica imposta às terras do “Novo Mundo”. Sobre
tal fato, de acordo com Sousa Santos, compete-se a ideia do localismo
globalizado, que consiste na ampliação de um fenômeno local à esfera total. Ou
seja, a expressão majoritária da doutrina católica cerceia a possibilidade de
uma associação entre o ambiente escolar e a formação de ensino religioso, dado
que a histórica visão dessa vertente foi moldada a continuadas infrações à
dignidade humana. Em decorrência disso, a improcedência da ADI reforça a
manutenção do caráter coercitivo da cultura do dominante, em oposição à
hermenêutica diatópica, proposta por Boaventura, a qual baseia-se na ideia de
que a ampliação da consciência de incompletude mútua, entre as culturas,
proporciona um diálogo pacífico e multicultural.
Ademais, há quem diga que
o Estado laico fere a liberdade religiosa e desvaloriza a crença, na medida em
que contrapõe a visão centralizadora da fé. No entanto, como disse o ministro
Marco Aurélio, em seu voto na ADI 4439, a laicidade estatal “não implica o
menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim,
afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual”. “O Estado laico
não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a
viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive
aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico”. Assim,
conclui-se que uma religião não é prejudicada pelo Estado laico, apenas a sua
força impositiva sobre outras religiões menos expressivas é enfraquecida.
Por conseguinte, uma vez
que a democracia pressupõe o pluralismo sócio-cultural, é necessária a
valorização da hermenêutica diatópica para se promover uma política igualitária
e emancipatória. Portanto, a descontinuidade da ADI 4439 representa um
retrocesso na desconstrução da herança opressora dos “vencedores”, posto que a
ação visava o não estabelecimento de uma visão unilateral do ensino religioso
confessional.
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