A Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 4.439 do Distrito Federal (ADI), ajuizada pela então Procuradora Geral da
República, em 2010, envolve a discussão acerca do tema do ensino religioso nas
escolas públicas e a problemática se sua instrução poderia ou não ser
confessional. A PGR Deborah Duprat buscava um parecer do Supremo Tribunal
Federal que corroborasse sua interpretação da inconstitucionalidade de tal
prática, de acordo com o artigo 19, inciso I da Constituição Federal de 1988 (“É vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público”).
A
Lei nº 9.394, em seu artigo 33 (O ensino religioso, de matrícula
facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo.), dispõe a obrigatoriedade da
disponibilização de aulas de ensino religioso em escolas públicas de nível
fundamental, de forma facultativa. O STF, em uma decisão apertada (5 x 6 votos
a favor da permissão para o ensino confessional), entendeu que, uma
interrelação mais forte do Estado com instituições religiosas, que se tornariam
responsáveis por delegar indivíduos que se disporiam a ministrar as aulas de
ensino religioso, não constitui em antinomia com a Constituição Federal e a
laicidade do Estado brasileiro.
Uma
vez que tais aulas constituem em atividades facultativas, as mais diversas
religiões seriam abordadas (desde as cristãs tradicionais, como o catolicismo e
as vertentes protestantes; até as de matriz africana) e a União não seria
responsável pela contratação dos profissionais que ministrariam as aulas; o
caráter laico do Estado seria preservado, ou seja, o Supremo conseguiu
balancear o disposto no art. 19/CF com o princípio da liberdade religiosa.
Esse
embate aqui analisado consiste naquilo que Boaventura de Souza Santos entende
como a “segunda tensão” decorrente do fim do socialismo e consolidação da
hegemonia capitalista no mundo, que consiste no embate entre grupos sociais
mais hegemônicos (estão em situação de poder) e outros que se encontram na
sociedade civil.
A
visão do Supremo Tribunal Federal entende que o ensino religioso totalmente
livre de julgamentos pessoais deveria fazer parte de disciplinas obrigatórias,
como História e Filosofia, para que, dessa forma, não ferirem a liberdade
religiosa dos alunos e nem a laicidade do Estado. A partir do momento que os
discentes se dispõem a participar de encontros facultativos que tratarão das
mais variadas vertentes religiosas, não podem alegar imposição. Essas aulas
consistirão em uma forma de superação do universalismo cristão imposto pela
colonização, uma vez que os estudantes terão contato com alguns dogmas mais
profundos de religiões que fogem da vertente cristã, ou que, mesmo englobados
nela, não são tão difundidos, como o espiritismo; superação, essa, que se
caracteriza como uma atividade emancipatória.
Ao
concordarem em participar dessas aulas mais aprofundadas, os alunos terão
contato com a ideia que Boaventura conceitua como “hermenêutica diatópica”, ou
seja, com o pressuposto de que todas as culturas são incompletas. A abertura de
espaços para que religiões de matriz africana, por exemplo, que foram
subjulgadas desde a colonização, possam ser ensinadas, cria um ambiente seguro
para a complementação dessas visões, ao invés de uma realidade hostil que
apenas consideraria esses entendimentos como errados e demoníacos; diminuindo
as chances de que sejam “engolidas” pela cultura majoritária e contribuindo para a superação da intolerância
religiosa ainda muito presente na realidade brasileira.
Julia Parreira Duarte Garcia - Direito Matutino
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