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domingo, 27 de outubro de 2019

A hermenêutica diatópica como caminho para a emancipação dos universalismos


A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.439 do Distrito Federal (ADI), ajuizada pela então Procuradora Geral da República, em 2010, envolve a discussão acerca do tema do ensino religioso nas escolas públicas e a problemática se sua instrução poderia ou não ser confessional. A PGR Deborah Duprat buscava um parecer do Supremo Tribunal Federal que corroborasse sua interpretação da inconstitucionalidade de tal prática, de acordo com o artigo 19, inciso I da Constituição Federal de 1988 (“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”).

A Lei nº 9.394, em seu artigo 33 (O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.), dispõe a obrigatoriedade da disponibilização de aulas de ensino religioso em escolas públicas de nível fundamental, de forma facultativa. O STF, em uma decisão apertada (5 x 6 votos a favor da permissão para o ensino confessional), entendeu que, uma interrelação mais forte do Estado com instituições religiosas, que se tornariam responsáveis por delegar indivíduos que se disporiam a ministrar as aulas de ensino religioso, não constitui em antinomia com a Constituição Federal e a laicidade do Estado brasileiro.

Uma vez que tais aulas constituem em atividades facultativas, as mais diversas religiões seriam abordadas (desde as cristãs tradicionais, como o catolicismo e as vertentes protestantes; até as de matriz africana) e a União não seria responsável pela contratação dos profissionais que ministrariam as aulas; o caráter laico do Estado seria preservado, ou seja, o Supremo conseguiu balancear o disposto no art. 19/CF com o princípio da liberdade religiosa.

Esse embate aqui analisado consiste naquilo que Boaventura de Souza Santos entende como a “segunda tensão” decorrente do fim do socialismo e consolidação da hegemonia capitalista no mundo, que consiste no embate entre grupos sociais mais hegemônicos (estão em situação de poder) e outros que se encontram na sociedade civil.

A visão do Supremo Tribunal Federal entende que o ensino religioso totalmente livre de julgamentos pessoais deveria fazer parte de disciplinas obrigatórias, como História e Filosofia, para que, dessa forma, não ferirem a liberdade religiosa dos alunos e nem a laicidade do Estado. A partir do momento que os discentes se dispõem a participar de encontros facultativos que tratarão das mais variadas vertentes religiosas, não podem alegar imposição. Essas aulas consistirão em uma forma de superação do universalismo cristão imposto pela colonização, uma vez que os estudantes terão contato com alguns dogmas mais profundos de religiões que fogem da vertente cristã, ou que, mesmo englobados nela, não são tão difundidos, como o espiritismo; superação, essa, que se caracteriza como uma atividade emancipatória.

Ao concordarem em participar dessas aulas mais aprofundadas, os alunos terão contato com a ideia que Boaventura conceitua como “hermenêutica diatópica”, ou seja, com o pressuposto de que todas as culturas são incompletas. A abertura de espaços para que religiões de matriz africana, por exemplo, que foram subjulgadas desde a colonização, possam ser ensinadas, cria um ambiente seguro para a complementação dessas visões, ao invés de uma realidade hostil que apenas consideraria esses entendimentos como errados e demoníacos; diminuindo as chances de que sejam “engolidas” pela cultura majoritária e  contribuindo para a superação da intolerância religiosa ainda muito presente na realidade brasileira.

Julia Parreira Duarte Garcia - Direito Matutino

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