Eu estava,
numa quinta-feira chuvosa, na recepção da empresa de energia da cidade,
esperando meu número ser chamado. Dois meninos estavam sentados ao meu lado, o
mais velho lia uma apostila chamada “O Positivismo”, já o mais novo brincava em
seu celular (descobri depois que o pai estava falando no celular perto deles).
Após cinco minutos, o menino mais jovem disse que não tinha mais nada para
fazer e queria que o irmão conversasse com ele. O mais velho respondeu que
tinha que estudar para a prova de amanhã e que se fosse falar teria que ser
sobre o assunto.
Então, o
mais velho (que descobri ser Edu) começou a falar sobre o Positivismo para seu
irmão Artur:
- Essa é
uma ideia do Auguste Comte, ele disse que o Positivismo tem o objetivo de
compreender, pensar e organizar a sociedade. Não sei como ele pretendia fazer
isso, mas... ele também disse que pra manter a ordem era preciso que as
instituições se mantivessem estáticas...
- Mas o que
seriam essas instituições estáticas?
- Eu sei
lá, Artur. Acho que podem ser, tipo, regras ou leis, talvez família... sabe, as
famílias são importantes... Enfim, outra coisa que ele disse foi que as pessoas
devem aceitar o seu “lugar social” para manter o equilíbrio natural da
sociedade.
- Não
entendi, Edu.
- Bem, olha
o papai, ele é dono de uma fábrica de fazer papel, se o papai não fosse o dono,
não teria fábrica. Mas pra ela funcionar, o papai contrata aquele bando de
gente, e sem eles a fábrica também não funcionaria. Agora é só pensar isso pra
toda a sociedade.
- Então o
país precisa de todo mundo pra funcionar, até do lixeiro?
- É o que
Comte diz... Ele define o trabalho como algo honroso, independente do que você
faça. Mas eu não sei não, não gostaria de ser lixeiro...
Algo que
passava na televisão do estabelecimento captou a atenção de Artur: era uma
reportagem sobre algumas manifestações LGBT e feministas que ocorreram alguns
dias atrás.
- Edu, mas
aquelas pessoas lá na rua... esse cara também falou alguma coisa sobre elas?
- Algo do
tipo, Artur. Parece que quando alguém faz greve ou alguma manifestação está
causando desordem na sociedade, querendo mudar essa estática que faz com que a
sociedade progrida.
- Pro o
quê?
- Progrida,
quando alguma coisa evolui, tipo no jogo.
- Entendi.
Mas se está afetando a evolução, não deveriam acabar com elas, que nem no
joguinho?
Eu sei que
não deveria invadir a conversa alheia, mas também não poderia deixar que mais
uma pessoa vire conservadora nesse mundo.
- Desculpe
invadir assim a conversa de vocês, mas não é bem assim. Você não pode simplesmente
acabar com as pessoas só porque elas estão lutando por algo. Ainda mais se for
por algo que um filósofo do século XIX pensou.
- Por que
não? – Perguntou-me Artur.
- Comte
disse aquelas coisas há dois séculos, muitas coisas mudaram nesse tempo. Novos
filósofos surgiram e formaram outros pensamentos. Não se pode achar que só um
pensa o correto, é preciso analisa-lo antes.
- Como
assim?
- Hum...
vamos lá... Artur, certo? Você tem um sonho?
- Tenho
sim, moça.
- E você
lutaria por esse sonho, certo?
- Sim!
- Aquelas
pessoas que estão manifestando também tem um sonho, e elas estão lutando por
ele. Você acha isso errado? Você acha que deveriam acabar com elas por causa
disso? E por qual motivo você faria isso? Porque um filósofo de mil oitocentos
e bolinha disse que elas estão causando desordem, por isso? Uma ordem que ele
achou que fosse correta e se mantém desde o século XIX? Uma ordem muito velha
que precisa de mudanças para que todos da sociedade consigam ser felizes? Você
não acha que é o que deveria importar para todos, ser felizes? Não é por isso
que você luta por seus sonhos? Pra ser feliz? Não acha que todas essas pessoas
também não merecem isso?
Antes que
Artur ou Edu pudessem responder, vi meu número ser chamado no painel. Pedi
licença aos dois e fui ao encontro da funcionária da empresa de energia.
Daniela Alves Ribeiro - Turma XXXV - Matutino
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