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domingo, 18 de março de 2018

Dois irmãos e o Positivismo


   Eu estava, numa quinta-feira chuvosa, na recepção da empresa de energia da cidade, esperando meu número ser chamado. Dois meninos estavam sentados ao meu lado, o mais velho lia uma apostila chamada “O Positivismo”, já o mais novo brincava em seu celular (descobri depois que o pai estava falando no celular perto deles). Após cinco minutos, o menino mais jovem disse que não tinha mais nada para fazer e queria que o irmão conversasse com ele. O mais velho respondeu que tinha que estudar para a prova de amanhã e que se fosse falar teria que ser sobre o assunto.
    Então, o mais velho (que descobri ser Edu) começou a falar sobre o Positivismo para seu irmão Artur:
   - Essa é uma ideia do Auguste Comte, ele disse que o Positivismo tem o objetivo de compreender, pensar e organizar a sociedade. Não sei como ele pretendia fazer isso, mas... ele também disse que pra manter a ordem era preciso que as instituições se mantivessem estáticas...
   - Mas o que seriam essas instituições estáticas?
  - Eu sei lá, Artur. Acho que podem ser, tipo, regras ou leis, talvez família... sabe, as famílias são importantes... Enfim, outra coisa que ele disse foi que as pessoas devem aceitar o seu “lugar social” para manter o equilíbrio natural da sociedade.
   - Não entendi, Edu.
   - Bem, olha o papai, ele é dono de uma fábrica de fazer papel, se o papai não fosse o dono, não teria fábrica. Mas pra ela funcionar, o papai contrata aquele bando de gente, e sem eles a fábrica também não funcionaria. Agora é só pensar isso pra toda a sociedade.
   - Então o país precisa de todo mundo pra funcionar, até do lixeiro?
  - É o que Comte diz... Ele define o trabalho como algo honroso, independente do que você faça. Mas eu não sei não, não gostaria de ser lixeiro...
  Algo que passava na televisão do estabelecimento captou a atenção de Artur: era uma reportagem sobre algumas manifestações LGBT e feministas que ocorreram alguns dias atrás.
   - Edu, mas aquelas pessoas lá na rua... esse cara também falou alguma coisa sobre elas?
  - Algo do tipo, Artur. Parece que quando alguém faz greve ou alguma manifestação está causando desordem na sociedade, querendo mudar essa estática que faz com que a sociedade progrida.
   - Pro o quê?
   - Progrida, quando alguma coisa evolui, tipo no jogo.
   - Entendi. Mas se está afetando a evolução, não deveriam acabar com elas, que nem no joguinho?
   Eu sei que não deveria invadir a conversa alheia, mas também não poderia deixar que mais uma pessoa vire conservadora nesse mundo.
   - Desculpe invadir assim a conversa de vocês, mas não é bem assim. Você não pode simplesmente acabar com as pessoas só porque elas estão lutando por algo. Ainda mais se for por algo que um filósofo do século XIX pensou.
    - Por que não? – Perguntou-me Artur.
   - Comte disse aquelas coisas há dois séculos, muitas coisas mudaram nesse tempo. Novos filósofos surgiram e formaram outros pensamentos. Não se pode achar que só um pensa o correto, é preciso analisa-lo antes.
   - Como assim?
   - Hum... vamos lá... Artur, certo? Você tem um sonho?
   - Tenho sim, moça.
   - E você lutaria por esse sonho, certo?
   - Sim!
   - Aquelas pessoas que estão manifestando também tem um sonho, e elas estão lutando por ele. Você acha isso errado? Você acha que deveriam acabar com elas por causa disso? E por qual motivo você faria isso? Porque um filósofo de mil oitocentos e bolinha disse que elas estão causando desordem, por isso? Uma ordem que ele achou que fosse correta e se mantém desde o século XIX? Uma ordem muito velha que precisa de mudanças para que todos da sociedade consigam ser felizes? Você não acha que é o que deveria importar para todos, ser felizes? Não é por isso que você luta por seus sonhos? Pra ser feliz? Não acha que todas essas pessoas também não merecem isso?
   Antes que Artur ou Edu pudessem responder, vi meu número ser chamado no painel. Pedi licença aos dois e fui ao encontro da funcionária da empresa de energia.


Daniela Alves Ribeiro - Turma XXXV - Matutino

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