Vivemos em um contexto denominado pós-modernidade, cuja característica mais evidente seria a transição da certeza e da segurança para a ambivalência, a fluidez e a liquidez, pela decomposição das formas das instituições sociais. A vida e o tempo líquidos sofrem processos de mercantilização, que junto à exposição dos indivíduos aos caprichos dos mercados promove a divisão e a anomia, e não a unidade. Para Durkheim, anomia é o estado de desregramento da sociedade, uma situação na qual ela não desempenha um papel moderador e não consegue orientar a atividade do indivíduo. Quando há espaços anômicos, isto é, a perda de referências normativas, a solidariedade social se enfraquece, bem como o equilíbrio entre as necessidades e o meios para a suas satisfações. O resultado é um indivíduo livre dos vínculos sociais e sem referências, vivendo em um vazio. As maiores pressões para o comportamento anômalo são exercidas sobre as camadas inferiores, devido à falta de entrosamento entre os alvos propostos pelo ambiente cultural e as possibilidades oferecidas pela estrutura social que produz intensa pressão para o desvio de comportamento.
A esperança está assentada em um dos pilares do modernismo: a crença na transformação do mundo. A mente moderna nasceu com a ideia de que o mundo pode ser transformado, com a ideia da mudança compulsiva, com a refutação do que meramente é em nome do que poderia ser. Essa adaptação conduz os homens que estão fora da estrutura social circundante a encarar e procurar trazer à luz uma estrutura social nova, profundamente modificada. Ela pressupõe o afastamento de objetivos dominantes e dos padrões vigentes, os quais vêm a ser considerados arbitrários. E o arbitrário é precisamente aquilo que nem pode exigir sujeição nem possui legitimidade, pois poderia muito bem ser de outra maneira.
Soma-se a isso que todo tipo de ordem social produz determinadas fantasias dos perigos que lhe ameaçam a identidade. Cada sociedade, porém, gera fantasias elaboradas segundo sua própria medida - segundo a medida do tipo de ordem social que se esforça em ser. Os medos internos de cada sociedade são projetadas nos inimigos que tentam, a qualquer custo, desestabilizá-la. Os 'estranhos', os 'anômalos' mostram cotidianamente o que pode acontecer com quem não quer se enquadrar na ordem e são utilizados como parte integrante do mecanismo de coerção social. Isso se aplica aos linchamentos que vêm ocorrendo no Brasil: a insegurança generalizada, a falta de padrões morais e de instituições que promovam a associação dos indivíduos são alguns dos responsáveis pela angústia atual. Os alvos dos linchamentos, obviamente, são os excluídos, aqueles que não podem participar da sociedade de consumo atual e que se mostram como o destino dos que estão em processo de exclusão. Os linchamentos, inclusive, acontecem com a plena participação de populares, normalmente da mesma camada que o próprio alvo. Eles, os populares, são aqueles que estão no limite da normalidade.
A teoria da anomia não responde por que o sujeito tem ou não condições de resistência ou valor, pois sua grande preocupação são aqueles indicadores que não encontram seu fundamento em disposições individuais, mas nas leis sociais. No fundo, a teoria da anomia trabalha com esteriótipos, não com pessoas de carne e osso. O interessante é que o combate à disfunção será por meio do exame de suas consequências exteriores e não pelo estudo de suas causas. A opção é modernizar-se ou perecer.
Eric Imbimbo - direito noturno
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