A hora do almoço, para muitas famílias brasileiras, é o momento mais importante do dia. Nesse dia, uma comum terça-feira, dois irmãos estavam sentados à mesa, esperando ansiosamente a chegada do pai, que estava no trabalho. Ambos estavam esfomeados, tinham acabado de voltar de uma pracinha que ficava a poucas quadras de casa. O mais novo, estava mais aflito e esfomeado que o mais velho.
A mãe, que preparava o alimento daquela família dia após dia, caminhou da cozinha para a sala de jantar com passos cuidadosos, com as mãos enroladas em um pano de prato, que seguravam uma travessa de vidro com uma generosa lasanha bolonhesa. Ao colocá-la na mesa, as crianças se alegraram com o cheiro daquela maravilha.
Pouco depois da mãe retornar para a cozinha, o mais velho pergunta para o mais novo: "O que acontece se eu comer um pouco, antes do papai chegar?". O mais velho, que conhecia mais o funcionamento da casa que o infante, logo alertou: "Não faça isso! O papai vai te matar. Você sabe, ele pega o primeiro pedaço, a mamãe pega o segundo, eu pego o terceiro e você pega o último!". O mais novo, contrariado, rebateu: "Mas isso não é justo! Eu estou morrendo de fome e vou pegar um pouco para comer!". O mais velho, com medo pelo caçula, tentou intervir. Não funcionou.
O menor, então, pegou a colher e colocou um recheado pedaço da aguardada e desejada lasanha. Dramaticamente, o molho de carne moída com tomates e queijo muçarela derretido caíam, preenchendo todo o prato. A mãe, ao entrar na sala novamente, agora com outra travessa na mão para pôr à mesa, se assustou com a atitude desafiadora e rebelde da criança. Balançou a cabeça negativamente, fechou os olhos em reprovação e disse: "Seu pai vai ficar muito bravo quando ver isso."
Após o aviso da mãe, a lasanha que antes tinha um gosto apaixonante, agora tem gosto de angústia. Para aumentar a tensão, o pai abre a porta da sala. Diz as mesmas palavras de sempre: "Querida, cheguei.". Ele deixa as botas sujas no pé da porta da casa e se direciona para a cozinha. Dá um beijo na sua esposa, que diz: "não fica bravo com ele, ele ainda é uma criança." O pai, sem entender, vai à sala de jantar para ver qual dos filhos tinha aprontado. Ao ver a mesa, a lasanha com uma grande parte incompleta, o prato do mais novo vazio, somente com os resquícios do que outrora foi um delicioso alimento, e a boca ainda suja de molho, prontamente se enfurece. O pai, aos gritos, pega o mais novo e o corrige à moda antiga, com palmadas vermelhas. Após ensinar boas maneiras para o mais novo, se senta na mesa com a esposa e o mais velho. O pai, então diz para o irmão correto: "Parabéns por não comer antes de seu pai, filho. Lembre ao seu irmão como devemos fazer à mesa.". O pai, então, come todo o alimento carinhosamente preparado por sua amada. Descansa um pouco e retorna para sua labuta.
No dia seguinte, ao chegar do trabalho, o pai diz as mesmas palavras de sempre: "Querida, cheguei!". Tira suas botas, vai para a cozinha, dá um beijo na mãe das crianças e se direciona para a mesa de jantar. Dessa vez, ele vê seus dois filhos sentados na mesa. Os pratos? Limpos, quase reluzentes. A mãe senta, e eles comem. Dessa vez, em paz. O mais novo aprendeu, internalizou a dinâmica daquela família, e assim foram os próximos almoços de todos os dias e de todos os anos.