Um dia desses
na semana passada, percebi que meus alimentos estavam se esgotando e então, sem
outras opções, precisei sair para a rua. Fiz todo o protocolo quase
ritualístico necessário atualmente: peguei um frasco de álcool gel, calcei os
sapatos que ficam do lado de fora da casa, vesti minha máscara e fui.
Um quarteirão
antes de chegar ao mercado avistei ele, Olavo, vestido com uma camiseta do
Brasil e um grande crucifixo pendurado no pescoço fazendo par com seu anel de
São Bento. Ele é um daqueles conhecidos que o primo de um amigo me apresentou
anos atrás e que quando nos encontramos sempre me deixa desconfortável com seu
jeito ostensivo. Por um momento, considerei adicionar uma caminhada de 2,5km e
rumar para o segundo supermercado mais próximo a fim de evitar o encontro, mas
antes que eu pudesse tomar a decisão ouvi a voz já conhecida me chamando:
- Orra, se não
é meu pupilo! Como vai você? – disse ele com a máscara no queixo entre tragos
do seu cachimbo e com um sorriso enviesado no rosto.
- Tudo certo
comigo, Olavo... e você? Faz o que por aqui?
- Eu estava
sendo atacado há anos no meu prédio por todos os moradores, sem exceção! Colocaram
câmeras no elevador apenas para vigiar o Olavo, então me mudei de lá, faz dez
anos! Agora, me mandaram uma conta com juros de todas as taxas de condomínio
que eu não paguei! Um absurdo! E quando eu falei com o síndico para me ajudar,
ele não fez nada! Achava que nós éramos amigos, mas aparentemente só eu era
amigo dele... eu o ajudei a ganhar a eleição do prédio e tudo.
- Entendi...
olha, na verdade a instalação de câmeras nos prédios é uma questão de
segurança, protocolar. Quanto a cobrança de contas, você realmente tem que
pagar, se não é crime.
- Cala a boca,
seu burro. Eu falei pro síndico, Jair, que vou mandar um processo pra ele de
prevaricação, o idiota nem sabe o que é, mas funcionou, até voltou a me chamar
pelo apelido carinhoso que ele me deu, Guru. Agora vou ali falar com o Luciano,
dono do mercado, vamos ver se ele quer me ajudar.
- OK, vá em
frente. Só mais uma pergunta, sua filha está bem? – e com isso ele saiu sem
dizer mais nada e entrou na loja parecendo enfurecido, não entendi o motivo
dessa reação.
Então, segui
com os meus planos e fui às compras. Vi de longe aquele inconveniente homem
colocar alguns itens em seu carrinho, um ketchup, um saco de laranjas, enquanto
resmungava ao som das músicas do Caetano Veloso que tocavam no supermercado.
Depois do que
pareceram horas, enfim concluí minhas compras, com o prazer redobrado de poder
sair daquele ambiente incômodo. Mas é claro que na porta do supermercado estava
o Olavo.
- Ele quer
fazer uma vaquinha, o Luciano, esse palhaço. – disse entre gestos amplos,
parecendo irritado.
- Pelo menos
ele vai te ajudar. Até mais Olavo, as sacolas estão pesadas e eu tenho que ir
embora.
- AHAHA vai
dizer você acredita no que Newton escreveu? Graças a deus você já está indo
embora mesmo... e não vou nem te cumprimentar, sabe como são as coisas...
precisamos sempre provar que não somos homossexualistas, nesse mundo desigual e
injusto que nos invalida.
- É, por
isso que não podemos nos cumprimentar agora. Tchau.
No caminho de
volta pra casa fiquei pensando nesse encontro com o figurão. Olavo de Carvalho,
positivista, católico fervoroso, desordenado, aplica as lógicas do método
científico ajustadas à sua análise e sem o menor rigor. Mas faz sentido, se o
estado positivo é o mais avançado, o religioso parece o lugar dele como o mais distante da lógica técnica. Infelizmente ainda restam muitos Olavos pelo Brasil, difundindo ignorância e desconhecimento.
Pedro Sousa Salgueiro Pawlowski - 1° ano Direito - Matutino
Pedro Sousa Salgueiro Pawlowski - 1° ano Direito - Matutino
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