Boaventura no início de sua obra afirma que “vivemos
um período em que enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções
modernas.”; e isto se deve pelo fato de que na maioria das vezes as soluções
não são encontradas porque não entendemos o que está acontecendo, assim,
buscamos soluções ultrapassadas. E isso pode se relacionar com a atual questão
implementação das cotas raciais nas universidades públicas. Onde o problema,
como muitas vezes acontece dentro do Direito, acaba tendo a discussão dentro do
judiciário, que se vê obrigado a ter uma perspectiva de ação. Com isso, surge a
grande questão da discussão de Boaventura pode o Direito ser emancipatório¿
Os problemas do nosso século são filhos dos
acontecimentos das revoluções que se sucederam a partir do século XIX, e que sobre
isso, cabe ressaltar que ocorreu a confrontação entre a regulação social e a emancipação social.
Isto porque na medida em que se tenta impor algo, a reação contrária reage, a
dinâmica daquele que não são comtemplados dentro do Estado Liberal, ou seja
dentro da participação, e por isso tem que lutam para uma emancipação social.
Tendo isso em mente, as ações afirmativas, sendo uma delas as cotas raciais,
buscam medidas para reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade
que caracteriza as relações ético-raciais e sociais em nosso país. Assim, há a
tentativa de sair dessa situação de não participação por meio da emancipação.
Para isso, se prevê uma metodologia de seleção diferenciada que possa
perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos,
de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam
beneficiados pelo pluralismo de ideais, um dos fundamentos do Estado
brasileiro, conforme dispõe a Constituição.
Diante do pensamento de Boaventura, com a implantação
das cotas raciais, o direito, passaria a ser visto a partir da possibilidade de
se transformar em um instrumento de mudança, e com isso tentara-se superar a
forma de modo que aqueles que não foram contemplados sejam pela lei, dentro do
contrato social. Deste modo, como ressalta Lewandosky, não estaria
contrariando, mas ao contrário estaria prestigiando o princípio da igualdade
material, previsto no art. 5 da Constituição. Isto porque, o Estado lança mão
de políticas de cunho universalistas para corrigir as distorções resultantes de
uma aplicação puramente formal do princípio de igualdade. Além disso, há ainda
o argumento da Débora Drupat, em que ela afirma que a Constituição de 88 se
insere no contexto das Constituições sociais, assim é obrigação do Estado deve
ter a igualdade como um objetivo a ser perseguido por meio de ações ou
políticas públicas.
O sistema de cotas tem papel fundamental na democratização
do ensino superior, pois hoje os negros correspondem a um percentual muito pequeno
nas universidades de todo o país. Assim, como diz Boaventura, para que o
Direito seja emancipatório precisamos que ele contemple, reconheça e proteja o
carácter plural da sociedade. O Direito necessita dessa mudança, pois segundo o
autor, com o fortalecimento dos Estados Nacionais mediante as condições de acumulação
as classes sociais inseridas nessa dinâmica lutarão pela participação, pelo
direito. Então, a legislação, atendendo a isto, passa a garantir um maior
número de direito sociais sob controle do próprio Estado.
Outra ideia importante de Boaventura para
entendermos a difícil questão das cotas, é o fascismo social, que vem da
permanente sensação insegurança e com isso enxerga-se aqueles que não se
mostram aptos como pessoas que devem ser excluídas. Por meio do vestibular isto
fica muito evidente, pois aqueles que não conseguiriam ser aprovados por meio
do sistema universal, não devem ter o mérito de ingressar na faculdade. Isto
está tão presente na sociedade que mesmo dentro da primeira universidade a
adotar o sistema de cotas, existem alunos que ridicularizam o sistema, como é o
exemplo do blogger do “Acid Black Nerd” que diz que “depois de quatro anos
estudando, fui a secretaria pegar meu diploma e vi um folheto panfletário, com
um gráfico indicando que os alunos oriundos do sistema de cotas tinham um
desempenho melhor. Como eu estudei naquela universidade, apenas dei uma risada
irônica”. Entretanto, há inúmeros fatos que mostram o contrário. Além disso,
devemos pensar até que ponto é realmente necessário que uma pessoa saiba todo o
conteúdo que o vestibular abrange.
Porém, isso é cômodo para o sistema racional do liberalismo, a
classificação das pessoas, por meio do mérito, onde parece que a única questão
em jogo é o esforço pessoal quando, na verdade mascara todo um problema social existente
por traz, a trajetória que cada aluno percorre é totalmente diferente, e
somente pelo fato de ele não saber responder sobre uma equação trigonométrica
não o desqualifica de entrar no ambiente universitário.
A verdade é que a maioria da sociedade acredita a
Justiça será alcançado se tratarmos os desiguais igualmente e esperar que as
diferenças se resolvam ao longo do tempo. O que é intrigante sobre esse
pensamento é o fato de vivermos em um país tão plural e diferente, que parece
loucura a quantidade de pessoas que pensam assim. Ter como base para o ingresso
do ensino superior a tão valorizada meritocracia seria vangloriar o
individualismo e ajudar a aumentar a intolerância social.
Bibliografia:
Gabriela Gandelman Torina
1 ano Direito Noturno
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