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domingo, 8 de novembro de 2015

O direito emancipatório (r)existe: Reconhecer para libertar.

"Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (SANTOS, Boaventura Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pg. 56)

Se alguém lhe mostrar a imagem de duas mulheres – uma loira, alta e magra e uma negra, baixa e meio gordinha – e dizer que ali estão uma médica e uma doméstica, qual delas você pensaria que é médica ou doméstica? Se alguém lhe mostrar a imagem de dois homens, um branco e um negro, – ambos de terno – qual deles você dirá que é juiz e qual o recepcionista de um restaurante?
No Brasil há uma falsa ideia da consolidação de uma “democracia racial”, ou seja, o país supostamente não possui o racismo ou discriminação racial visto em outros países, por exemplo, os Estados Unidos. Tal pensamento, no entanto, é facilmente desconstruído observando os setores socioeconômicos que constituem a população brasileira e a disparidade entre brancos e negros nesses setores. Uma pesquisa feita em 1999 pelo IPEA constatou que dos 53 milhões de pobres do país, cerca de 64% eram negros. Tal estratificação da população gera uma espécie de senso comum que associa a aparência ao socioeconômico e a partir disso, segrega parcelas inteiras. Zygmunt Bauman em seu livro “44 cartas ao mundo líquido moderno” afirma que em espaços homogeneizados, é “difícil adquirir as qualidades de caráter e as destrezas necessárias para confrontar as diferenças entre seres humanos e as situações de incerteza, razão pela qual a inclinação predominante é “temer o outro, pela simples razão de ser outro”. Ou seja, automaticamente a ideia de emancipação social e miscigenação é algo visto com repulsa, fenômeno chamado por Boaventura de Sousa Santos de fascismo contratualista e apartheid social, econômico e territorial.
Segundo o portal Geledés, “as cotas não são uma vantagem: são a correção de uma desvantagem histórica. Antes delas, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros tinham concluído universidade no Brasil; após as cotas, este número subiu para 11% de pardos e 8,8% de negros. Ainda é pouco, já que eles são 53% na população. Em Medicina, por exemplo, somente 0,9% dos formandos no Estado de São Paulo em 2014 eram negros.” Onde está a democracia racial nesses dados? Quem são então os profissionais que lidarão diretamente com as questões sobre desigualdade em nosso país? Eles possuem “as qualidades de caráter e as destrezas necessárias para confrontar as diferenças entre seres humanos”? O direito, ciência vista como justa por si, não seria apenas mais uma instituição elitizada com profissionais, em sua maioria, alheios à realidade da maior parcela da população?
Em conformidade com tais reflexões, podemos destacar um exemplo pungente do descaso para com essa realidade institucionalizada e veladamente discriminante: Após instituir um sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial no processo de seleção, a UNB (Universidade Nacional de Brasília) foi alvo de uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) ajuizada pelo partido Democratas (DEM). O partido, por sua vez, mobilizou o mesmo argumento da democracia racial, afirmando que o Estado é plural e não seria justo com outros candidatos, que os beneficiados por cotas adentrassem o curso superior. Sobre as ações afirmativas, Katherine Smits, teórica política, em seu livro “Applying Political Theory – Issues and Debates” diz: “Preferências de grupos não equivalem à discriminação de grupos, e isso deve ser levado em consideração no vasto contexto em que as preferências raciais e de gênero são aplicadas. Ademais, as preferências de grupos não comprometem a equidade, pois os indivíduos não têm direitos automáticos a quaisquer benefícios em decorrência de seus talentos naturais e habilidades. É tarefa da sociedade distribuir benefícios de acordo com critérios razoáveis e publicamente justificados conforme objetivos sociais mais amplos”.
Boaventura, ao abordar a teoria do pós-contratualismo, processo por meio do qual, grupos e interesses sociais incluídos totalmente em outro momento no contrato social, começam a ver-se excluídos deste sem qualquer perspectiva de regresso; acaba por mostrar um dos motivos pelos quais o DEM se propôs a suspender o direito de cotistas já aprovados. O medo da sociedade civil íntima de ver o outro, proveniente da sociedade incivil, que teve historicamente seus direitos negados e suprimidos frequentando o mesmo espaço – que outrora legitimava a exclusão e a manutenção do status quo – a universidade, não é um medo só do outro, é também o medo da mudança, da formação de profissionais que apoiam a ecologia dos saberes, o confrontamento ao racismo social e principalmente, a emancipação do direito e a partir dela, das instituições públicas e do Estado.
Não vivemos em uma “democracia racial” e por vivermos em uma democracia, devemos superar a concepção estratificada de igualdade, pois ela não é um direito garantido a toda uma sociedade. A igualdade é, na verdade, uma possibilidade e o direito emancipatório, munido de ações afirmativas e de profissionais conscientes e humanizados é um meio para que a sociedade em sua totalidade, superesuas desigualdades na realidade fática.


Mariana Ferreira Figueiredo 
Direito (diurno) - 1º ano
Sociologia do Direito 

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