Sem Mc Donald’s, queremos arroz e feijão.
Boa Ventura de Sousa Santos irá tratar de um mundo pós-moderno, um mundo
dominado pelo capital internacional, pelo interesse do mercado e por uma era
onde o Estado já está longe de ser o grande regulador das ações sociais. Nesse
contexto, Boa Ventura insere uma formidável colocação: vivemos em um mundo com
problemas modernos, porém, sem soluções modernas. Isto se tornará o mote de sua
teoria.
Com isso em mente, devemos trabalhar alguns conceitos apresentados pelo
autor que são fundamentais para entender como vivemos em uma época em que
nossos problemas não têm soluções a sua altura. Primeiramente devemos pensar na
dialética da REGULAÇÃO x EMANCIPAÇÃO em que, ao se tentar refrear os ímpetos
sociais (regulando a população) acaba-se justamente por obter o resultado
inverso e o Estado fica com pedidos por emancipação social nas mãos.
Contudo, podemos pensar: emancipar-se de quem? Afinal a abolição
da escravidão já é notícia velha em nosso país. Felizmente podemos chegar a uma
resposta: nós devemos nos emancipar de todos os elementos que regulam
excessivamente a nossa vida, sejam eles o Estado, o mercado, a situação
trabalhista; uma vez que se consiga refrear a regulação, deveremos ter uma vida
um pouco mais igual (formal e materialmente).
Essa mesma ideia está exposta na ADPF 186 que trata do assunto das cotas
raciais na Universidade de Brasília. De forma geral, representado pelo voto do
Ministro Levandowsky, ficou decidido que as cotas raciais eram sim
constitucionais, uma vez que o Estado deve provir igualdade a todos, e
finalmente foi reconhecido em âmbito institucional que somente a igualdade
formal não bastava, era urgente que fosse implantada uma igualdade material.
Desse ponto também pode-se fazer uma crítica ferrenha à meritocracia tão
querida dos neoliberais: será mesmo que todos possuem as mesmas chances? As
mesmas condições de ascensão social? Podemos afirmar que não, assim como uma colega de
sala que sabiamente expressou-se com uma metáfora sobre o assunto: “ é como se se
estivesse em uma corrida e um determinado número de pessoas começasse 50 passos
na sua frente, e que outro determinado número começasse 20 passos atrás de
você”(Ana Paula De Mari).
Ademais, o capital internacional e o mercado pressionam o Estado para
tomar o lugar desse como regulador e muitas vezes o conseguem. Vê-se isso
claramente na competição que se cria entre o tempo do mercado internacional e o
tema de questões como religião, cultura e biodiversidade que acabam sendo
atropelados pelo capital. Isso resulta em um impacto negativo nas respostas dadas
à essas questões pelo Estado. Além disso, as finanças reclamam por respostas
rápidas por parte deste mesmo Estado, é necessário dar respostas ao mundo das finanças. E
isso cria um “paradireito”, que muitas vezes é mais eficaz em produzir mudanças
do que o direito “oficial”. Tem-se o direito Estatal, mas ele também está em
crise, pois é a todo tempo enfrentado por outros sistemas reguladores e
normativos. Dessa forma, o próprio direito institucional acaba por trabalhar a
favor do mercado, para lhe garantir as melhores condições de concorrência,
mesmo que isso signifique acentuar as disparidades da população; afinal os
criadores do direito nacional são representantes dos grandes órgãos reguladores
atuais (bancada da bala, do agronegócio, das indústrias, evangélica etc.). Parece-nos que o Estado perdeu sua vez.
Com isso vão se criando cada vez mais excluídos e a parcela da população
que se vê às margens da sociedade cresce de forma alarmante. As pessoas
pertencentes a esse grupo foram “apelidadas” por Boa Ventura como “terceiro
mundo interior”, que seriam aquelas pessoas que praticamente não recebem
qualquer assistência do Estado. Por sua vez, para piorar a situação de
exclusão, esse terceiro mundo interior ainda está cercado por ideais sociais
que o colocam em um pedestal de segregacionismo. Assim, Boa Ventura irá chamar
atenção para as modernas formas de fascismo: o fascismo do apartheid social, territorial, financeiro e da insegurança. Toda
essa forma de pensamento gira em torno de um Estado excludente e segregador,
em que o “primeiro mundo interior” (aqueles privilegiados) se cercam por muros
e através dos “novos” meios reguladores, controlam a ação social.
No que concerne à questão das cotas e ao pedido do partido Democrata,
vê-se claramente a instalação dessa sociedade pós-moderna regulada pelo capital
em que se tenta a todo custo manter a segregação, crucial para o fácil domínio
da nova burguesia sobre toda a população e uma acumulação bilionária garantida.
Ao menos algumas instituições das mais importantes do país, como o STF e o
próprio Governo Federal, já se manifestaram contra o controle absoluto desse
novo regulador e prosseguiram com uma política de cotas, dando a devida
importância que esse assunto merece e construindo, mesmo que ainda pequena, uma
esperança de uma sociedade menos regulada pelo capital, mais igualitária e com
um direito mais emancipatório.
Tiago de Oliveira Macedo/ 1º
direito Diurno
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