A obra,
de autoria do pensador português Boaventura de Sousa Santos, "Poderá o
Direito ser Emancipatório?", instiga uma série de reflexões sobre termos
como igualdade formal e material, emancipação social (a busca pela inserção dos
excluídos no contrato social), bem como o Direito como instrumento de
transformação.
O partido
Democratas (DEM) entrou como requerente da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF 186, que trata do assunto das cotas raciais na
Universidade de Brasília) em defesa da declaração de inconstitucionalidade das
cotas raciais como 20% das vagas em todos os cursos da universidade concorridas
pelo vestibular do meio do ano de 2009. O DEM requereu, portanto, a suspensão
das matrículas dos aprovados por meio de cotas raciais, exigindo uma nova lista
de aprovados, baseando-se “no desempenho individual de cada estudante”.
Em sua
associação com o caso estudado, Boaventura inaugura a utilização de conceitos como
sociedade civil incivil e fascismo social, onde, de acordo com os moldes
neoliberais e a instabilidade da globalização do capital, as classes dominantes
promovem a marginalização e submissão de parcelas da sociedade, exclusas das
políticas públicas estatais, a diversas formas de opressão. Seguindo esse
raciocínio, o voto do Ministro Levandowsky decidiu pela permanência das cotas
raciais, reafirmando sua constitucionalidade, ao considerar que o Estado é (ou
deveria ser) provedor de igualdade a todos, sendo reconhecido, enfim, que a
mera igualdade formal não é mais suficiente, o estabelecimento de uma igualdade
material é essencial no âmbito jurídico.
De acordo
com a definição de Joaquim Barbosa Gomes: “[...] as ações afirmativas podem ser
definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os
efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização
do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o
emprego. Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidos
por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência
jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional
universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que
todos os seres humanos têm direito”. (2001, p.40)
Mediante
uma ideologia individualista, presente desde o advento da modernidade, o
posicionamento geral, que desconsidera a estruturação injusta de classes na
sociedade, justifica as diferentes posições sociais como consequência da sorte
ou como o maior esforço de pessoas mais bem-sucedidas (a famosa “meritocracia”).
Ao desconhecer ou desconsiderar as desigualdades, os indivíduos tornam-se seres
abstratos e alienados. Com isso, surgem as “modernas formas de fascismo”,
denominadas por Boaventura como o “fascismo do apartheid social, territorial,
financeiro e da insegurança”, reforçadas por um Estado excludente e uma parcela
privilegiada (“primeiro mundo interior”) que, envolta por um ideal
meritocrático de controle da ação social, promovem ainda mais a segregação da parcela
já não contemplada pela assistência estatal (“terceiro estado interior”).
As
palavras de Boaventura de Sousa Santos, nesse sentido, ilustram o que parece
ser ignorado pelo novo domínio de conformistas incompetentes: “A desigualdade e
a exclusão têm na modernidade um significado totalmente distinto do que tiveram
nas sociedades do antigo regime. Pela primeira vez na história, a igualdade, a
liberdade e a cidadania são reconhecidos como princípios emancipatórios da vida
social. A desigualdade e a exclusão têm, pois, de serem justificadas como exceções
ou incidentes de um processo social que lhes não reconhece legitimidade, em
princípio. E, perante elas, a única política social legítima é a que define os
meios para minimizar uma e outra”. (1999, p.1)
O Direito,
elemento primordialmente visto como forma exclusiva de manutenção do statusquo, passa a ser, no caso da
institucionalização das Cotas Raciais como ação afirmativa, elemento de mudança
necessário para o alcance de uma igualdade material de fato. Como afirma Carmem
Lúcia Rocha: “[...] a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade
dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma
forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por
preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por esta
desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela
afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social,
política, econômica no, e segundo o Direito, tal como assegurado formal e
materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é,
então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a
que se acham sujeitas as minorias”. (1996)
Medidas
transitórias por definição, as Cotas Raciais nas Universidades, como toda e
qualquer ação afirmativa, desaparecerão “na medida em que as distorções
históricas forem corrigidas e a representação dos negros e demais excluídos nas
esferas públicas e privadas de poder atenda ao que se contém no princípio
constitucional da isonomia”. Nesse meio tempo, torçamos para que a
sociedade, atualmente envolta por individualistas alienados, se agrasse com o
surgimento de rebeldes ativistas, porque é de conformistas que a desigualdade
se alimenta.
Aluna: Alice Rocha Farias da Rosa - 1º ano Direito Noturno
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