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domingo, 8 de novembro de 2015

Igualdade Material: do Direito à Ação Social

A obra, de autoria do pensador português Boaventura de Sousa Santos, "Poderá o Direito ser Emancipatório?", instiga uma série de reflexões sobre termos como igualdade formal e material, emancipação social (a busca pela inserção dos excluídos no contrato social), bem como o Direito como instrumento de transformação.

O partido Democratas (DEM) entrou como requerente da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186, que trata do assunto das cotas raciais na Universidade de Brasília) em defesa da declaração de inconstitucionalidade das cotas raciais como 20% das vagas em todos os cursos da universidade concorridas pelo vestibular do meio do ano de 2009. O DEM requereu, portanto, a suspensão das matrículas dos aprovados por meio de cotas raciais, exigindo uma nova lista de aprovados, baseando-se “no desempenho individual de cada estudante”.

Em sua associação com o caso estudado, Boaventura inaugura a utilização de conceitos como sociedade civil incivil e fascismo social, onde, de acordo com os moldes neoliberais e a instabilidade da globalização do capital, as classes dominantes promovem a marginalização e submissão de parcelas da sociedade, exclusas das políticas públicas estatais, a diversas formas de opressão. Seguindo esse raciocínio, o voto do Ministro Levandowsky decidiu pela permanência das cotas raciais, reafirmando sua constitucionalidade, ao considerar que o Estado é (ou deveria ser) provedor de igualdade a todos, sendo reconhecido, enfim, que a mera igualdade formal não é mais suficiente, o estabelecimento de uma igualdade material é essencial no âmbito jurídico.

De acordo com a definição de Joaquim Barbosa Gomes: “[...] as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”. (2001, p.40)

Mediante uma ideologia individualista, presente desde o advento da modernidade, o posicionamento geral, que desconsidera a estruturação injusta de classes na sociedade, justifica as diferentes posições sociais como consequência da sorte ou como o maior esforço de pessoas mais bem-sucedidas (a famosa “meritocracia”). Ao desconhecer ou desconsiderar as desigualdades, os indivíduos tornam-se seres abstratos e alienados. Com isso, surgem as “modernas formas de fascismo”, denominadas por Boaventura como o “fascismo do apartheid social, territorial, financeiro e da insegurança”, reforçadas por um Estado excludente e uma parcela privilegiada (“primeiro mundo interior”) que, envolta por um ideal meritocrático de controle da ação social, promovem ainda mais a segregação da parcela já não contemplada pela assistência estatal (“terceiro estado interior”).
As palavras de Boaventura de Sousa Santos, nesse sentido, ilustram o que parece ser ignorado pelo novo domínio de conformistas incompetentes: “A desigualdade e a exclusão têm na modernidade um significado totalmente distinto do que tiveram nas sociedades do antigo regime. Pela primeira vez na história, a igualdade, a liberdade e a cidadania são reconhecidos como princípios emancipatórios da vida social. A desigualdade e a exclusão têm, pois, de serem justificadas como exceções ou incidentes de um processo social que lhes não reconhece legitimidade, em princípio. E, perante elas, a única política social legítima é a que define os meios para minimizar uma e outra”. (1999, p.1)

O Direito, elemento primordialmente visto como forma exclusiva de manutenção do statusquo, passa a ser, no caso da institucionalização das Cotas Raciais como ação afirmativa, elemento de mudança necessário para o alcance de uma igualdade material de fato. Como afirma Carmem Lúcia Rocha: “[...] a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por esta desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica no, e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias”. (1996)


Medidas transitórias por definição, as Cotas Raciais nas Universidades, como toda e qualquer ação afirmativa, desaparecerão “na medida em que as distorções históricas forem corrigidas e a representação dos negros e demais excluídos nas esferas públicas e privadas de poder atenda ao que se contém no princípio constitucional da isonomia”.  Nesse meio tempo, torçamos para que a sociedade, atualmente envolta por individualistas alienados, se agrasse com o surgimento de rebeldes ativistas, porque é de conformistas que a desigualdade se alimenta.




Aluna: Alice Rocha Farias da Rosa  -  1º ano Direito Noturno

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