Cotas: a concretização da igualdade material
A atual
conjuntura econômica é marcada pela existência de Estados Neoliberais caracterizados:
pela mínima intervenção estatal, valorização dos indivíduos por meio da
garantia de sua liberdade, a abertura econômica juntamente com a política de
privatizações, nesse sentido, direitos sociais que, supostamente, deveriam ser garantidos
pelo Estado, passam a atender uma lógica neoliberal sendo entendidos como
mercadorias. As áreas de serviço como educação, saúde e segurança deixam de ser
compreendidas como direito e ganham um caráter mercantil. Diante desse
contexto, Boaventura questiona: Poderá o
direito ser emancipatório?
Ao mesmo tempo
que a mínima interferência na vida social resultou em muitos benefícios no
âmbito econômico e na esfera da liberdade individual, essa liberdade era fruto
de uma concepção individualista que impedia o intervencionismo do Estado em
relação aos menos afortunados, uma vez que partia do princípio de que todos
eram livres e tinham a mesma capacidade e condições de alcançar o mesmo fim,
fato que promove injustiças sociais e manutenção
de privilégios daqueles que são economicamente fortalecidos.
As primeiras
Declarações de Direitos no início do século XVIII enxergavam os direitos
humanos a partir de um espectro liberal, introduzindo uma concepção formal de
igualdade, estabelecida a partir do princípio da isonomia, em que todos eram
iguais perante a lei, porém, tal igualdade compreendia os indivíduos enquanto
entes abstratos e genéricos, ausentes de especificidades. No entanto, o princípio
da igualdade universal que homogeneiza as diferenças naturais, sociais,
culturais e econômicas dos homens, acaba por acarretar injustiças, já que
desconsidera as condições materiais e reais de cada indivíduo. Nesse sentido, a
igualdade formal reforça o discurso meritocratico e liberal que todos devem
concorrer livremente, sem a intervenção do Estado.
Diante desse
contexto, surge a necessidade de ampliar a significação da igualdade,
extrapolando o seu sentido formal, a igualdade deveria estar presente na materialidade
e na realidade de cada um. Assim,
Boaventura de Sousa Santos afirma: “(...) temos direitos a ser iguais quando a
nossa igualdade nos inferioriza, e temos direito a ser diferentes quando a
nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
a diferenças e de uma diferença que não produz, alimente ou reproduza as
desigualdades”.
Contra a
corrente do direito liberal, que exclui determinados grupos, a igualdade
material é concretizada por meio de ações afirmativas, cuja principal
finalidade é proteger esses grupos, garantindo-lhes a condição de igualdade e de
integração social. Assim, as cotas raciais são formas de reparar distorções históricas,
promovendo a inclusão do negro no ambiente acadêmico, com intuito de tornar a
universidade um ambiente menos elitista e mais plural, deixando de ser uma
bolha e passando a ser um reflexo da sociedade.
Transpondo
o pensamento de Boaventura de Sousa Santos a realidade das universidades brasileiras,
estas poderiam ser consideradas uma das formas de aparthaid social,
caracterizadas por zonas “civilizadas”, castelos neofeudais e enclaves fortificados,
em que só um estrato social tem acesso. E do outro lado, encontram-se as zonas
selvagens, onde o Estado de Direito é inexistente, e as pessoas são privadas de
serviços públicos como a educação, a saúde e o lazer previsto nas zonas civilizadas.
As cotas, ainda que medidas paliativas, conseguiram amenizar essas fronteiras,
fazendo com que as zonas civilizadas passassem a ter cada vez mais uma caraterística
das zonas selvagem, garantindo direitos aqueles que sempre dele foram privados.
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