É inequívoco que a Dialética representa
um meio essencial de construção do conhecimento e a Karl Marx não se pode negar
o “mérito de ter aberto caminho para as epistemologias dialéticas
contemporâneas” (NETO, 2001, p. 25), ante a revolução teórica que seus escritos
representaram e representam até hoje. Ainda que seu nome
seja muitas vezes associado unicamente à propagação de
ideais revolucionários do comunismo, vale ressaltar que seus trabalhos foram
muito além disso. Seu pensamento assumiu bases, estruturas e metodologias
singulares e, como tal, forneceu contribuições muito significativas para o “fazer
Ciência”, inclusive para aquela que é o foco da nossa análise: a Ciência do
Direito.
Marx, a quem se atribui a primeira
tentativa verdadeiramente dialética no estudo e construção do conhecimento – inclusive
do saber jurídico –, propôs uma forma de interpretação do “real” em suas
análises sociais, tendo como ponto de partida as condições materiais de existência.
Embora “converse” em algum grau com o empirismo, o marxismo sobrepuja o germe de
sua teoria ao enxergar além do “real pelo real” - que perigosamente passa a ser
afirmado de forma dogmática, como se percebe pelos escritos de Comte, por
exemplo – e deslocar o palco de sua explicação, elaborando um discurso
científico novo que olha para as relações/meios de produção.
Além disso, em sua obra, Marx ainda
observa que o Direito é expressão da classe dominante. Essa classe propaga seus
os pensamentos de seu interesse como se fossem de relevância geral e coletiva, proveitosos
a todos, indistintamente, e, neste cenário, as próprias normas jurídicas não
passam incólumes. Ao contrário, passam a ser também instrumento de legitimação e
perpetração do poder dessa casta dominante. A ingestão e defesa, por grande parte da
população, de interesses de outrem, alheios à sua realidade concreta, levam-na a
reconhecer-se dentro de uma sociedade burguesa, culminando
no que o autor designou de alienação.
Entretando, vale destacar que essa
não é uma realidade imutável e definitiva como fazem crer os positivistas, ao
pregarem a ideia de que cada indivíduo ocupa um lugar predeterminado no sistema
social e deve resignar-se à própria miséria em oposição à prosperidade de um grupo
a partir da exploração de seu trabalho. Para Marx, “Os homens fazem sua própria
história”, mesmo que sob circunstâncias que não definam, ainda assim, podem alcançar
alterações significativas e, ciente do potencial das mobilizações sociais, Comte,
em sua obra “Discurso sobre o espírito positivo” (1844), chegou a reconhecer
que a educação “tornar-se-ia muito mais perigosa se fosse estendida aos
proletários, onde desenvolveria, além do desgosto pelas ocupações materiais,
ambições exorbitantes”.
Nesses termos, ao recorrermos a uma
corrente que parta do homem de carne e osso para a reflexão, teremos uma
sociedade de indivíduos que enxergam si próprios dentro do contexto social em
que se encontram e, munidos do conhecimento, mais comprometidos com causas que
lhes corresponda verdadeiramente, renunciando às ideologias impostas pelas classes
dominantes. Um grande exemplo da efetividade dessa dinâmica da lutas e reinvindicações
sociais em todos os planos, mesmo no ambiente acadêmico, foi relatado por pessoas
formadas pela UNESP em uma palestra da Semana Inaugural do Direito, promovida
pelo Centro Acadêmico de Direito (CADir), ao narrar as nuances de vários
processos enfrentados por eles enquanto membros e estudantes no decorrer dos
anos para lograr as conquistas graduais dos direitos na universidade, que foram
desde a garantia de refeições a preços módicos e acessíveis a todos, ou mesmo processos
de seleção de docentes mais transparentes e éticos, até o acesso ao
estacionamento intra muros do Campus.
Diante disso, reconhecendo que a
dialética é antidogmática por excelência, é de suma importância nos valermos
dela na construção das normas jurídicas e na operação do Direito, especialmente
porque este deveria estar fundamentalmente comprometido com as realidades e
aspirações sociais, a fim de superar os problemas e conflitos da sociedade, e
não de apenas uma parcela dela. Caso contrário, perpetuaríamos esse cenário de
Direito alienado, com normas também alienadas que permaneceriam voltadas aos
interesses de uma minoria, normas essas que seriam vistas como único objeto digno
de estudo e atenção dos juristas, os quais seriam, igualmente, alienados.
Ante o exposto, é manifesto que não
se pode assistir o Direito ser reduzido à pura legalidade, razão pela qual se conclui
que existe lugar para o estudo do método marxista na formação e na atuação dos
juristas modernos, enquanto instrumento de análise social, propiciando-lhes,
assim, a habilidade de encarar o Direito criticamente, sob perspectiva não
dogmática e, uma vez libertos de ideologias postas historicamente, desviá-lo da alienação positivista, devolvendo-se a dignidade de um instrumento
libertador voltado aos seus objetivos últimos: a justiça e a paz social.