Desde a ascensão da burguesia, logo na Idade Média, o capitalismo começou a se mostrar como uma opção de sistema econômico para a sociedade. Hodiernamente, já é bastante consolidado quase hegemonicamente ao redor de todo o mundo, subjugando quase todos os indivíduos aos seus preceitos. Apesar disso, sua popularidade não se dá devido sua benevolência, mas sim pela sua grande capacidade de dominar os indivíduos. Essa dominação ocorre não apenas no campo econômico, mas perpassa todas as áreas da vida das pessoas, criando uma rede muito forte de aprisionamento.
Para além da análise de
Marx e Engels, através do materialismo histórico-dialético, as relações dentro
do capitalismo podem ser entendidas por meio da observação de simples situações
cotidianas. No livro A Corrosão do Caráter, o sociólogo Richard Senett, mostra
como é possível compreender as faces do capitalismo, sobretudo, nas relações
privadas familiares da sociedade. A partir da apresentação da história de
Enrico e sua família, fica nítido que o capitalismo avassalador faz com que haja
um afastamento das pessoas e os laços sejam fragilizados em detrimento de uma
busca incessante pela realização profissional. Entretanto, essa meta é inatingível,
uma vez que as relações são extremamente voláteis e estão em constante
movimento, mas nunca vão se estabilizar ao ponto da maioria da população de uma
sociedade conseguir alcançar a felicidade e tranquilidade econômica e social.
No texto de Senett, Enrico passa a vida toda trabalhando para conseguir ofertar
uma vida plena e digna para sua família, mas isso lhe custou uma relação
afetiva com seu filho, Rico. Quando Rico atinge a vida adulta, mesmo tendo
vontade de mudar a lógica sob a qual foi criado e buscar não sacrificar seus
laços de afetividade em detrimento do trabalho, é impossível a saída dessa
espiral capitalista que suga toda a vida das pessoas e as aprisiona
inteiramente em seu seio trabalhista quase escravista. Dessa maneira, a
fragilidade que está presente nas relações de trabalho – a partir da demissão
em massa e da mudança constante dos modos como a força produtiva é convertida em
capital – começa a corroer o caráter dos indivíduos e contaminar os espectros
da vida pessoal e a destruir o que une os indivíduos, afastando-os.
Nesse sentido, é bastante
claro que existe toda uma estrutura que sustenta essa lógica imperante, sendo
capaz de fazer com que as próprias vítimas desse modelo explorador incessante o
defendam. Por meio da alienação em massa, cria-se a ideia de que existe chance de
quebrar a lógica do explorador e do explorado por meio do mérito, levando as
pessoas a aderirem ainda mais os hábitos nocivos para atingir o ápice do
capitalismo: a riqueza exacerbada. Os discursos cada vez mais frequentes de “trabalhe
enquanto eles dormem” estão contaminando as pessoas criando a falsa ideia de
que as pessoas têm controle da própria vida, quando na verdade estão todos
inseridos em um mundo onde a maioria não tem autonomia e vive sendo controlado,
inclusive, subconscientemente. Rico, por exemplo, expressa essa alienação ao ser
demitido e acreditar fielmente que a culpa é sua ao invés de um sistema onde a
desvinculação de funcionários acontece pelo simples fator lucrativo, alheio a história
das pessoas e suas famílias, reduzindo o trabalhador a um mero número e a sua
existência a um pequeno detalhe de toda a lógica financeira e comercial.
Portanto, o capitalismo
selvagem é um jogo em que poucos têm o controle sobre os vários personagens que constroem a riqueza
de todo uma sociedade, sem ao menos ter o controle de suas próprias vidas e relações
afetivas. Com isso, a história de Enrico, Rico e seus descendentes até o fim dos tempos será historicamente igual, mantendo-se a lógica e mudando apenas os personagens. O capitalismo não é original, ele é apenas maléfico e bem sucedido no que se propõe.
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