Em
“Poderá o Direito ser emancipatório?”, Boaventura de Sousa Santos responde à
pergunta colocando condições contrárias à ideologia vigente - “eu” antes do “nós”
-, na qual não existe vontade coletiva. Assim, o Direito tem acolhido as
demandas dos grupos desamparados diante do neoliberalismo e do vácuo da
representação política, ou seja, ainda que muito relativamente, o direito pode
ser emancipatório, pois vêm cobrindo lacunas que a política e a história deixaram. Para o
autor, os problemas da modernidade originaram do colapso moderno entre
regulação social e emancipação social, desta forma, muitos grupos vulneráveis
ficam desamparados.
A exemplo disso, o julgamento da
constitucionalidade das cotas raciais da UnB pelo STF diante da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental do partido DEM, que alegava a violação
de fundamentos constitucionais como o princípio da dignidade da pessoa humana,
o repúdio ao racismo, a igualdade, o direito universal à educação e a
meritocracia, demonstra a possibilidade do Direito ser emancipatório, pois
foram sustentadas por unanimidade na mais alta corte do Legislativo brasileiro
e considerada improcedente a ADPF.
Os votos dos Ministros, marcados por
detalhamentos teóricos, muito se aproximam do Direito Cosmopolita de Sousa
Santos, que enxerga o indivíduo em sua vulnerabilidade, entendendo de forma
difusa a liberdade em sentido que não agrida os direitos fundamentais ou a
tutela dos desfavorecidos. Com base no artigo 3º da Constituição Federal,
preconiza-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, pois, como
Rosa Weber em seu voto expôs: “cabe ao Estado adentrar no mundo das relações
sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade formal volte a
ter seu papel benéfico”. Tais ações afirmativas, segundo Gilmar Mendes, são
forma de aplicação do princípio da igualdade. O ministro Cesar Peluso afirma
que “é um fato histórico, incontroverso o déficit educacional e cultural dos
negros, em razão de barreiras institucionais de acesso às fontes da educação.
Há um dever ético e jurídico da sociedade e do Estado perante tamanha
desigualdade”.
Boaventura de Sousa Santos constrói
sua proposta, procurando no Direito respostas e alternativas para superar as desigualdades,
como as cotas dando oportunidade aos negros de terem acesso ao ensino superior,
emancipando-os. Para ele, o Direito tem que se estabelecer como elemento de
tutela para proteger os frágeis, transformando-o em algo voltado para a mudança
social e não para a manutenção do status quo. Portanto, mesmo as cotas não
sendo a melhor solução para a emancipação dos negros na sociedade brasileira,
estas garantem de forma paliativa e gradual a eles uma tentativa cabível às condições do Estado de conservar
direitos e princípios contidos na legislação brasileira, recuperando o
movimento e a dialética entre regulação social e emancipação social.
Henrique Mazzon - Direito Noturno
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