A instituição das cotas raciais para entrada nas
universidades públicas sempre foi polêmica. A desigualdade social no Brasil é
um fato que foi construído historicamente. Quando ocorreu a emancipação dos
escravos com a Lei Áurea, fica claro que não houve nenhum esforço por meio do
Estado no sentido de incluir socialmente os recém-libertos ou de criar
oportunidades para estes. Essa ausência fez com que os libertos, que não haviam
ainda sido incluídos no contrato social, ficassem em uma posição marginal,
caracterizando o processo de exclusão na dinâmica pré-contratualista de
Boaventura de Souza Santos. A política de cotas, portanto faria parte da luta pela
inclusão desse grupo no contrato social.
As cotas são importantes no sentido de uma superação dessa
disparidade social firmada historicamente.
A UNB, em 2004, implantou esse sistema, reservando 20% de suas vagas
para estudantes negros e um ínfimo número para índios. No entanto, em 2009, o
DEM, partido Democratas, entrou com uma ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, declarando inconstitucionais os atos que levaram à implementação
do sistema de cotas da UNB. Essa tentativa, frustrada pelo STF que a julgou
improcedente em 2012, declarando as cotas étnico-raciais constitucionais,
remete à música Índios, de Legião Urbana que diz “... que quem tem mais do que
precisa ter, quase sempre se convence que não tem o bastante e fala demais por
não ter nada a dizer”.
Para Boaventura a emancipação social não é mais oposta à regulação
social. Logo, o Direito, atua como instrumento de emancipação social, como
nesse caso em que as cotas, associadas à essa emancipação, seriam atingidas
através da regulação social, realizada pelo Direito. Há uma relação também
entre a questão das cotas e o conceito de legalidade cosmopolita de Boaventura,
no sentido de que o Direito seria usado, ao implementar as cotas, para romper
com essa ideia, possibilitando o alcance de uma legalidade cosmopolita, que
consiste não apenas no cumprimento do contrato e questões do capital, mas
também contempla as manifestações da exclusão, no sentido de abranger a tutela
de questões sociais.
Segundo Boaventura, vê-se que a instabilidade social é condição da
estabilidade econômica. Sendo assim, a implementação do sistema de cotas
representa um passo na direção de uma ruptura desse paradigma, visto que há um
avanço no sentido de uma estabilidade econômica sendo preterida em relação a
uma estabilidade social. Dessa forma, com o sistema de cotas também se caminha
contra a estrada que leva ao fascismo social, que se caracteriza pelo
pensamento unitário, no qual um único grupo detém a única verdade, a única
legitimidade; pensamento este que é danoso à sociedade. Pode-se fazer, também,
uma associação das cotas com uma forma de frustrar a agenda conservadora,
fazendo do Direito uma real ferramenta de mudança social.
Além disso, as cotas são uma forma de se efetivar um direito que
já existe, o de educação, por exemplo, que não é real para os negros. Logo,
existe uma conexão da implementação das cotas com o pensamento de Weber, no
sentido de que se deve contestar a forma, que coloca limitações materiais a
certos grupos, para que ela seja ampliada e não garanta mais apenas os
interesses da classe dominante.
O direito, tanto de educação quanto de igualdade, que para os
negros restringia-se à forma, com a implementação da política das cotas, avança
para a efetivação material. O Princípio da Igualdade ainda dispõe que
tratamento isonômico é tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida exata de suas desigualdades, afirmando que, quando em situações
distintas, as pessoas sejam tratadas de forma desigual, para que, só assim, a
igualdade seja, de fato, atingida.
Vívian Gutierrez Tamaki - 1º ano de Direito - Diurno
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