A UnB foi pioneira na implantação de cotas no Brasil, destinando 20% de suas vagas para candidatos negros e um pequeno percentual das vagas para os de origem indígena. Em 2009 o partido Democratas (Dem) abriu um processo contra a UnB por causa das cotas, pedindo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), declarando inconstitucional a implantação do sistema de cotas. O STF decidiu em favor da UnB em 2012.
Entre os muitos argumentos a favor da decisão podemos levar em conta o preceito constitucional que estabelece a pluralidade e a igualdade material prevista no art. 5° da CF. Desta forma o estado lançou mão de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural; ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. Deste modo, na teoria de Boaventura de Souza Santos, o direito atua como emancipador e regulador ao mesmo tempo, tutelando os menos protegidos para abranger toda a sociedade, garantindo a igualdade e diminuindo a injustiça. É obrigação do direito exercer este papel de tutela e emancipação, preenchendo as lacunas sociais, uma vez que o estado deixou os grupos mais vulneráveis desamparados e o sentimento coletivo se perdeu, estando a sociedade em uma crise do contrato social. O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
As cotas buscam, na visão de Boaventura de Souza Santos, corrigir o descompasso, cada vez maior entre os tempos. O tempo social é muito diferente do tempo real, do técnico. No tempo social há todo um peso histórico de atraso no caso dos negros. Atraso e subversão não históricos, mas presente, por conta de um estado omisso em seus papeis de garantir educação de qualidade a todos os seus cidadãos. O pedido do DEM é um exemplo puro de diminuição do poder estatal e fragmentação dos estados normativos, resultado do estado liberal. Não se aceita uma decisão pensada na coletividade, no social, não se pensa em conjunto (colapso do contrato social) e sim em instituições autônomas guiadas pelo direito minimalista.
Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. Como disse Boaventura é preciso se incluir as emancipações no âmbito jurídico, ou seja fazer leis regulamentando-as, para depois exteriorizá-las para a realidade cosmopolita. É extremamente necessário que essas emancipações tenham sua garantia legal.
Pensar o direito como emancipatório exige superar o direito como minimalista. O direito deve ser cosmopolita, abrangendo todos os ramos, dando verdadeiro respaldo, não deixando o individuo a mercê do mercado. É esse o objetivo das cotas raciais.
Leticia Garozi Noturno
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