Em 2004, a UnB
implantou um sistema de cotas raciais que reserva 20% de suas vagas para
estudantes negros e “um pequeno número delas” para índios de todos os estados
brasileiros pelo prazo de 10 anos. Porém, em 2009, o Partido Democratas (DEM) entrou
com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em que
declara inconstitucional atos do Poder Público que resultaram na instituição
das cotas raciais na UnB. Em 2012, o plenário do STF considerou constitucional
a política de cotas étnico-raciais e, por unanimidade, os ministros julgaram
improcedente a ADPF.
O relator do caso,
ministro Ricardo Lewandowski, traz algumas justificativas favoráveis às cotas,
ao afirmar que as políticas de ações afirmativas adotadas pela UnB estabelecem
um ambiente acadêmico plural e diversificado, e tem o objetivo de superar
distorções sociais historicamente consolidadas. Além disso, os meios empregados
e os fins perseguidos são marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as
políticas são transitórias, com a revisão periódica de seus resultados. O fato
é que o ambiente da universidade no Brasil é predominantemente constituído por
brancos e ricos. Negros não possuem as mesmas oportunidades de terem uma graduação.
As questões que restam são: Como o meio acadêmico produzirá conhecimento para
uma parcela da população que se quer está dentro da universidade? Será que
aqueles que estão dentro querem que os negros possuam seu lugar (que é de
direito) na universidade? As cotas surgem como um meio de proporcionar esse
direito que é negado aos negros, o direito a educação. As cotas vêm também como
uma forma de igualdade material, e não formal, já que formalmente todos são
iguais perante a lei, ninguém pode ser discriminado pela cor, todos têm direito
a educação... porém, na realidade, não é assim, as oportunidades não são as
mesmas e o racismo está fortemente presente em nossa sociedade.
Pensando historicamente,
temos que o próprio Estado criou essa situação de desigualdade com negros. Quando
se aboliu a escravidão, o Estado não buscou criar oportunidades de educação e
trabalho para os negros, não se preocupando em incluí-los na sociedade, mas
sim, em excluí-los, trazendo imigrantes europeus. A própria constituição
federal impõe uma reparação de danos pretéritos do país em relação aos negros. Além
disso, as cotas cumprem com o dever constitucional que atribui ao estado a
responsabilidade com a educação.
Com relação à
Boaventura de Sousa Santos, identificamos sua ideia do Direito como meio de
emancipação social, uma vez que para o autor a emancipação social deixa de ser
oposta à regulação social. Desta forma, as cotas podem ser consideradas uma emancipação
social/coletiva, pois reconhecem que um grupo teve menos condições e
oportunidades e, assim, utiliza o Direito, a regulação, para atingir a
emancipação.
Além disso, Boaventura
aborda a questão da ruptura com a noção hegemônica de Direito, e encontramos o
sistema das cotas como uma forma de romper com a hegemonia do Direito que, como
percebemos na sociedade brasileira, abarca os interesses majoritariamente de brancos
e ricos. Ou seja, as cotas trazem o direito em favor dos negros. Também observamos
que o capitalismo trata a exclusão social como natural, uma vez que a
instabilidade social é condição para a estabilidade econômica. Ou seja, para o mercado se manter, é necessário que haja um grupo excluído. Apreendemos,
portanto, as cotas como uma forma de superar o direito minimalista, que apenas
busca garantir a fluidez do mercado, e garantir um direito cosmopolita, um
projeto plural em que os movimentos sociais se comunicam entre si, que garante
o direito para todos da sociedade.
Para Boaventura, o Direito
deve ir além do conservadorismo, já que o projeto conservador traz o desmantelamento
dos mecanismos por meio dos quais o Direito se transformou em instrumento de
mudança social. Sendo importantes ações afirmativas, como as cotas, que vão
além do conservadorismo e usam o direito para a mudança social.
Por fim, é importante
contestar um dos argumentos utilizados pelos contrários ao sistema das cotas,
que é o de que este seria um privilégio para os negros. Eliane Brum ao tratar
sobre os “muros” que separam pobres e ricos, negros e brancos, em seu texto “Mãe,
onde dormem as pessoas marrons?”, afirma que “o muro mais difícil de derrubar é
aquele que protege o privilégio de não precisar pensar nos privilégios”, assim,
estendemos essa frase para a questão das cotas. Esta não se trata de um
privilégio para o negro, mas da garantia de um direito, bem como do uso do Direito como
emancipação social, o que segundo Boaventura de Sousa Santos é possível.
“Ações
afirmativas se definem como políticas públicas voltadas a concretização do
princípios constitucional da igualdade material a neutralização dos efeitos
perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem. [...] Essas
medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação,
mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de
tão enraizada, as pessoas não a percebem." - trecho de Joaquim Barbosa, ministro
do STF, que votou a
favor das cotas raciais
Ana Paula Mittelmann Germer- Direito noturno
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