Durkheim faz uma notória
diferenciação entre as sociedades pré-modernas e as modernas. Atribui a coesão
daquelas à solidariedade mecânica, e a destas, à solidariedade orgânica.
Estende tais concepções à esfera do direito, principalmente o penal. A partir
da modernidade, o direito, em sua teoria, deixou de ser apenas punitivo, para
ser predominantemente restitutivo. Essa teoria condiz plenamente com a
realidade, visto que o direito penal tem mesmo esse princípio do afastamento e
da “correção” do agente transviado a fim de que ele retorne à sociedade, ao
cumprimento de sua função social, como a peça de uma máquina, ou a célula de um
tecido do corpo, daí o sentido de organicidade social.
O direito entrou no embalo da
cientificização. A burocracia como agente de racionalização do Judiciário
tornou-se necessária. As arbitrariedades dos magistrados não podem ser
admitidas, daí as limitações da lei, a obrigatoriedade de seu cumprimento
restritivo, por vezes, e a existência dos princípios de hermenêutica, também
vinculando as sentenças. Daí as súmulas, as Jurisprudências. O direito precisa
ser sólido, preciso, perfeito, delimitado, pleno, incontroverso, absoluto, deve
ser igual para todos.
Como em quase todas as teorias,
tudo faz sentido, é perfeito. A prática, porém, destoa totalmente dessas
descrições. Em primeiro lugar, o direito não é restitutivo. As penitenciárias
não “reformam” o bandido, não o tornam capaz de ser restituído ao meio social,
não cumprem sequer a cláusula pétrea que preconiza os direitos fundamentais,
notadamente a dignidade da pessoa humana. Infelizmente, não se pode negar que o
transviado social, após a sanção do direito, fica pior do que era antes. Pois
bem, o direito não é restitutivo, esta é apenas sua pretensão hipócrita.
O direito como ciência também não
corresponde aos anseios sociais. Um exemplo prático, que presenciei há algumas
semanas, é o de uma senhora que ingressou com uma ação em 2008 contra o INSS
para receber seu benefício previdenciário devido à invalidez física permanente
para o trabalho (possui um tumor cerebral). Apresentou todos os laudos,
realizou as perícias, rebateu as contestações da parte ré. Em junho desse ano
saiu a sentença dando-lhe o ganho da causa. O INSS recorreu. O processo será
estendido por mais uns cinco anos, com otimismo. Mas ela realizará uma cirurgia
para a retirada do tumor com urgência, dentro de alguns dias, podendo não
sobreviver.
Sentindo-se totalmente
injustiçada pela Justiça, nas palavras dela, ela chorou em minha frente e eu
não soube o que dizer. O recurso é um direito constitucional, uma dádiva do
direito de defesa... Na prática, um recurso protelatório, só disponível para os
grupos sociais privilegiados, que possuem condições de pagar um bom advogado. O
direito é extremamente moroso, o que é causa de muitas injustiças. Muitos
recursos da lei (no sentido genérico do termo) não correspondem aos anseios
sociais, são desnecessários, permitem arbitrariedades, privilegiam os ricos,
trazem morosidade, estão engessados no tempo... Ao contrário do que muitos
pensam, e muitos pensam, a lei não é perfeita. Antes de segurarmos o vade-mécum
contra o peito e idolatrá-lo, devemos questioná-lo minuciosamente, como
cidadãos que entendem de direito e como juristas.
Devemos ser conhecedores das
teorias para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, conhecedores das
leis para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, à justiça realmente
aclamada pelo povo. Temos a missão de refletir sobre a ordem estabelecida e
quiçá alterar seus pontos falhos e injustos. É por esse motivo que as ciências
humanas estão intrinsecamente ligadas ao direito
ciência e assim devem permanecer.
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