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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Não só de boas intenções vive a Justiça


Durkheim faz uma notória diferenciação entre as sociedades pré-modernas e as modernas. Atribui a coesão daquelas à solidariedade mecânica, e a destas, à solidariedade orgânica. Estende tais concepções à esfera do direito, principalmente o penal. A partir da modernidade, o direito, em sua teoria, deixou de ser apenas punitivo, para ser predominantemente restitutivo. Essa teoria condiz plenamente com a realidade, visto que o direito penal tem mesmo esse princípio do afastamento e da “correção” do agente transviado a fim de que ele retorne à sociedade, ao cumprimento de sua função social, como a peça de uma máquina, ou a célula de um tecido do corpo, daí o sentido de organicidade social.
O direito entrou no embalo da cientificização. A burocracia como agente de racionalização do Judiciário tornou-se necessária. As arbitrariedades dos magistrados não podem ser admitidas, daí as limitações da lei, a obrigatoriedade de seu cumprimento restritivo, por vezes, e a existência dos princípios de hermenêutica, também vinculando as sentenças. Daí as súmulas, as Jurisprudências. O direito precisa ser sólido, preciso, perfeito, delimitado, pleno, incontroverso, absoluto, deve ser igual para todos.
Como em quase todas as teorias, tudo faz sentido, é perfeito. A prática, porém, destoa totalmente dessas descrições. Em primeiro lugar, o direito não é restitutivo. As penitenciárias não “reformam” o bandido, não o tornam capaz de ser restituído ao meio social, não cumprem sequer a cláusula pétrea que preconiza os direitos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana. Infelizmente, não se pode negar que o transviado social, após a sanção do direito, fica pior do que era antes. Pois bem, o direito não é restitutivo, esta é apenas sua pretensão hipócrita.
O direito como ciência também não corresponde aos anseios sociais. Um exemplo prático, que presenciei há algumas semanas, é o de uma senhora que ingressou com uma ação em 2008 contra o INSS para receber seu benefício previdenciário devido à invalidez física permanente para o trabalho (possui um tumor cerebral). Apresentou todos os laudos, realizou as perícias, rebateu as contestações da parte ré. Em junho desse ano saiu a sentença dando-lhe o ganho da causa. O INSS recorreu. O processo será estendido por mais uns cinco anos, com otimismo. Mas ela realizará uma cirurgia para a retirada do tumor com urgência, dentro de alguns dias, podendo não sobreviver.
Sentindo-se totalmente injustiçada pela Justiça, nas palavras dela, ela chorou em minha frente e eu não soube o que dizer. O recurso é um direito constitucional, uma dádiva do direito de defesa... Na prática, um recurso protelatório, só disponível para os grupos sociais privilegiados, que possuem condições de pagar um bom advogado. O direito é extremamente moroso, o que é causa de muitas injustiças. Muitos recursos da lei (no sentido genérico do termo) não correspondem aos anseios sociais, são desnecessários, permitem arbitrariedades, privilegiam os ricos, trazem morosidade, estão engessados no tempo... Ao contrário do que muitos pensam, e muitos pensam, a lei não é perfeita. Antes de segurarmos o vade-mécum contra o peito e idolatrá-lo, devemos questioná-lo minuciosamente, como cidadãos que entendem de direito e como juristas.
Devemos ser conhecedores das teorias para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, conhecedores das leis para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, à justiça realmente aclamada pelo povo. Temos a missão de refletir sobre a ordem estabelecida e quiçá alterar seus pontos falhos e injustos. É por esse motivo que as ciências humanas estão intrinsecamente ligadas ao direito ciência e assim devem permanecer.

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