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domingo, 23 de março de 2025

As universidades públicas como espaço de produção do conhecimento: entre a razão científica e ideologias

          As instituições públicas sempre se mostraram essenciais para a produção e o avanço do conhecimento na historicidade humana, seja nos centros acadêmicos medievais, que empregavam os primeiros estudos do Direito, até os dias hodiernos, com a realização de pesquisas que impactam diretamente a função prática da organização e transformação do mundo nas mais diversas áreas de aprendizagem. Nesse âmbito, convém pontuar como certas concepções atuais, de viés conservador, vêm descredibilizando e atacando as universidades de caráter popular, utilizando-se de uma "suposta doutrinação ideológica" empregada dentro das mesmas para invalidar seu papel como mediadoras e democratizadoras do saber nas sociedades. Por esse prisma, são válidas as seguintes reflexões: como as concepções filosóficas de Descartes e Bacon refletiriam sobre essa temática? E qual a importância da perspectiva de Karl Mannheim para a autenticação das ciências universitárias?                                                 

 Em consonância a isso, sob a ótica de Descartes, em seu livro ''Discurso do Método'', a racionalidade e a dúvida metódica são imprescindíveis para a construção do conhecimento. Dessa forma, o filósofo moderno, em sua visão racionalista e pragmática, buscaria abordar a questão do papel e da influência ideológica das instituições públicas de maneira a reforçar a necessidade de uma autonomia de ideias baseada na subjetividade e na importância do método científico na produção do saber universitário. Dessarte, para o intelectual empirista Francis Bacon, a produção acadêmica dos centros de ensino superior deve ser pautada, assim como na visão descartiana, em dados concretos e verificáveis, e não apenas em discursos teóricos, sendo validada, especialmente, pela observação e experimentação.                                                                                                                      

  Outrossim, observa-se que ambas as perspectivas convergem para a importância da razão e do seguimento de métodos científicos para a validação e o "progresso" da intelectualidade universitária. Entretanto, de acordo com Karl Mannheim, em sua obra *Ideologia e Utopia*, "nenhuma instituição é completamente neutra, e o conhecimento produzido nessas organizações não é livre de influências ideológicas, pois o contexto social e as relações de poder sempre influenciam o que é considerado 'legítimo' ou 'válido' no campo do saber".  Sob essa ótica, convém destacar que a presença de doutrina não invalida o campo acadêmico das universidades públicas, mas, na verdade, o aprimora, já que essa imersão em cenários socioculturais, políticos e históricos diversos possibilita uma análise mais plural e enriquecedora do conhecimento. Em função disso, para o sociólogo húngaro, o problema não está na influência de fatores externos, que poderiam invalidar e relativizar o conhecimento dentro das instituições, mas na falta de consciência crítica para alcançar uma visão mais reflexiva e precisa da realidade, permitindo o desenvolvimento de um saber menos dogmático, aberto a revisões e novas perspectivas.  

 Logo, analisa-se que as universidades públicas não são neutras, uma vez que nenhuma instituição se apresenta totalmente imparcial, mas isso não compromete suas produções científicas, já que, em sua maioria, devem seguir métodos rigorosos de validação e análise crítica da realidade. Dessa forma, percebe-se a necessidade de coexistência entre as perspectivas de Descartes e Bacon, que valorizam a racionalidade e os métodos científicos, e o reconhecimento da pluralidade de contextos e influências socioculturais, políticas e históricas de Karl Mannheim, para garantir um ambiente acadêmico que respeite a diversidade de ideias, sem abrir mão da razão e da comprovação empírica.

Um comentário:

  1. Olá Gabriela. Gostei da abordagem que fez acerca da ausência de neutralidade na universidade (porque, de fato, não há neutralidade e ou imparcialidade) e da ideia de que isso não justifica o argumento de que ali haveria simples doutrinação, invalidando tudo o que na universidade se produz. De todo modo, na necessária crítica, devemos sempre estar atentos. Porque a ausência de neutralidade e ou imparcialidade não justificará, nunca, a "música de uma nota só", não é mesmo? Com respeito, Alexandre.

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