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domingo, 23 de março de 2025

As antíteses da vida pelo olhar sociológico de Charles Wright Mills

Em “A Imaginação Sociológica”, Charles Wright Mills argumenta que os homens, nos dias de hoje, sentem-se acorrentados pela vida; tudo o que sabem e o que fazem está restrito a seus pequenos universos: a casa, o trabalho e as pessoas com quem mantêm convivência. Com isso, o autor também frisa que a quantidade exorbitante de informações recebidas diariamente, somada a perspectivas morais próprias, fazem com que o indivíduo desenvolva uma consciência falsa de sua posição social. Nessa ótica, enquanto eu lia esse trecho da obra, imediatamente me recordei de algumas antíteses contemporâneas tão presentes nacional e internacionalmente. No Brasil, o “pobre de direita” é um conceito bastante discutido; afinal, sendo uma pessoa de baixa renda, seria racional apoiar governos que propagam políticas elitistas? A mesma lógica serve para o “imigrante xenofóbico”, fenômeno de destaque na última eleição americana – vencida por Donald Trump, candidato cuja campanha se baseou, principalmente, na retirada de imigrantes dos Estados Unidos e no “Make America Great Again”, slogan de cunho extremamente nacionalista. Diversos estrangeiros, inclusive brasileiros, demostraram apoio a Trump através de posts e vídeos na internet, exaltando o atual presidente como um político de boas intenções. Novamente, paramos e pensamos: isso tem algum sentido? Como um imigrante em terras estadunidenses, seria racional apoiar um candidato que, de maneira explícita, manifesta interesse em desmontar sua vida construída com muito esforço, te retirar de casa e te enviar de volta para o seu local de origem? 

Em primeiro plano, para responder as perguntas supracitadas, é importante não cair na simplificação de que o “pobre de direita” e o “imigrante xenofóbico” são, simplesmente, pessoas de pouca inteligência. Como justificado por Charles Wright Mills, o que está em jogo na sociedade atual é um complexo sistema de fatores sociais e culturais, identidades e medos que guiam escolhas, mesmo que inconscientemente. Em contexto brasileiro, os governos de direita possuem estratégias de reafirmação ao pobre, fazendo-lhe acreditar que programas públicos de auxílio e acesso são, na verdade, prejudiciais à força de vontade individual, reforçando a – falsa – existência da meritocracia no país. É como se, ao votarem em candidatos direitistas, esses eleitores buscassem reafirmar sua dignidade, mantendo-se distantes dos estigmas de dependência do Estado e de pautas progressistas, consideradas uma ameaça a seus valores morais e normalmente influenciados pela religião. 

Acerca do “imigrante xenofóbico”, uma passagem da obra de Mills detém muita semelhança no que tange o comportamento desse grupo, alegando que, em defesa do “eu” e de sua particularidade, os homens tornam-se moralmente insensíveis, ou seja, perdem a empatia e a noção de que, muitas vezes, estão inclusos em alguns discursos odiosos que julgam apoiar. Muito disso também se vale do egoísmo inato observado na humanidade, quando, ao prezarmos pela exclusividade, não queremos que outras pessoas tenham as mesmas oportunidades que tivemos. 

Para solucionar os entraves citados – intrínsecos à falta de consciência de classe –, Mills só vê uma solução: o desenvolvimento da Imaginação Sociológica, qualidade de espírito que permitiria aos indivíduos usar a informação e desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que ocorre no mundo e dentro deles mesmos. Assim, com tal noção em seu âmago, as amarras que acorrentam o homem dentro de seu pequeno universo seriam rompidas e tudo o que interrompe sua evolução, extinto. 


Ana Carolina Tiozzo Mascarenhas, 1° ano de direito matutino. 



2 comentários:

  1. Texto muito bem escrito, Ana Carolina. Mas como a questão ainda está aberta, fico a refletir sobre a possibilidade de haver sentido nos raciocínios daquilo que, entre aspas, denominou "pobre de direita" e "imigrante xenofóbico", e a conjecturar no sentido de que por vezes pode haver algum sentido para aquilo que reputou sem sentido algum. Como muitas vezes o que se veicula nas redes sociais e na imprensa não corresponde à verdade, podemos, pelo menos em tese (ou em antítese) admitir que os políticos estadunidenses não são, de fato, aquilo que se publica nos meios massivos de comunicação. Para além daquilo que nos trouxe em seu texto, há também relatos de que o governo norte-americano atual também valoriza pobres e imigrantes. Muitos continuarão por lá e não suportarão qualquer sorte de banimento, de extradição. E será que isto não explicaria o apoio dado por muitos ao novo Presidente? Não tenho as respostas. Faço apenas um contraponto e considero fundamental que, cientificamente, busquemos conhecer na fonte a realidade destes grupos de pessoas. Na busca das verdades e do fazer científico precisamos buscar o relato fiel dos locais, nunca confiando naquilo que nos é dado de graça por este ou aquele meio de comunicação. Com respeito, Alexandre.

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  2. Ana Carolina Tiozzo Mascarenhas24 de março de 2025 às 13:48

    Concordo totalmente, Alexandre! A generalização do “não faz sentido” é, também, uma antítese na atualidade. Como você disse, relatos e experiências se contradizem a todo momento e cada indivíduo possui sua própria percepção da verdade, mesmo que, por vezes, ela nos pareça “errada”.
    Muito obrigada pela adição na reflexão que propus! Fico feliz que tenha achado o texto bem escrito.
    Com respeito, Ana.

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