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domingo, 23 de março de 2025

 

Tic Tac: o ressoar da perturbação.

O amanhecer de um novo dia vinha acompanhado da necessidade de encarar sua atual situação, estava desempregado. Encarar o relógio enquanto tomava seu café somente o lembrava que em exatos 15 minutos deveria comparecer a rodoviária municipal para iniciar mais um dia de trabalho. Hoje não seria assim. Ele não possuía mais um emprego. O tic tac ressoava pelo ambiente e penetrava seu ser como se o relógio estivesse instalo dentro de si e não na parede da cozinha. Não aguentaria ficar dentro de casa. Precisava procurar um novo emprego. Precisava findar suas perturbações.

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O bar de seu Jão era o ponto de encontro dos finais de semana com os amigos para beber. Hoje era quarta feira e ele estava lá. Não era noite e não havia nenhuma comemoração, ele estava desempregado, mas ali não havia relógios nas paredes. Não havia o tic tac incessante. Não havia a rotina perdida. Não havia somente suas perturbações. Havia os outros. Havia suas conversas. Havia bebida; e suas perturbações eram deixadas de lado por algumas horas. Era um escape. Seria somente hoje, um único dia e depois ele enfrentaria os relógios que ressoavam dentro de si.

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Não fora somente uma noite. No dia seguinte ele voltara lá, conversara com outros, falaram de suas perturbações. Não foram duas ou três conversas. Foi-se uma tarde toda. Descobriu que outros também sentiam os tics dos relógios dentro deles. Que eram desempregados e que o bar de seu Jão era o refúgio durante o dia. Que também eram perturbados. Nunca reparara que existia tantos como ele, que não era o único assim.

...

Ele parou de ir ao bar do Jão, eram muitas pessoas iguais a si. Tentara ir a um boteco em outro bairro mais afastado, mas a situação foi a mesma. Todos que iam ali nesse mesmo horário estavam em situações semelhantes. No fim ele desistiu, decidiu voltar para sua casa. Ao menos lá ele não se depararia com outros dele mesmo, lá teria que lidar somente consigo mesmo. E é claro, com o relógio. Esse era uma inquietação que poderia resolver naquele momento. Ligaria a TV, o som dela de certa forma não o deixaria ouvir o tic tac do objeto. Agora só faltava arrumar um novo emprego e tudo iria voltar ao normal.

Em casa, ele ligou a TV. O jornal era o programa daquela hora. Fazia tempo que não o via, não possui quase momentos para o ver. Era empregado, tinha rotina a seguir até não ter mais, até poder ir ao bar de quarta feira e depois no boteco do bairro vizinho, tudo a tarde. Não a noite.

Foi ali enquanto pensava nos últimos acontecimentos que a TV lhe mostrou a reportagem, os números que na verdade eram pessoas. Pessoas como ele, desempregadas. Eram muitas, não só no bar, não só no bairro vizinho. No país todo. Essa perturbação não assombrava somente ele, mas sim uma nação. Não, não era uma perturbação, agora já era uma questão! A e que diferença ele viu! Não era só ele que procurava emprego, não era só um bar, só um bairro, eram milhares!

Ali, naquele momento, ele reparou que naquele contexto talvez fosse ainda mais difícil resolver essa perturbação, ou seria questão!? Não importava, poderia dedicar-se infinitamente, mas ele estava no meio de um problema social, e não deveria partir somente dele uma resolução.

Maria Clara Moro Genesini, 1º ano de direito, período noturno.

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