“Aproximavam-se agora dos lugares habitados, haveriam de achar morada. Não andariam sempre à toa, como ciganos. O vaqueiro ensombrava-se com a ideia de que se dirigia a terras onde talvez não houvesse gado para tratar. Sinhá Vitória tentou sossegá-lo dizendo que ele poderia entregar-se a outras ocupações, e Fabiano estremeceu, voltou-se, estirou os olhos em direção à fazenda abandonada. Recordou-se dos animais feridos e logo afastou a lembrança. Que fazia ali virado para trás?”. O memorável trecho, retirado da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, expressa com precisão a condição de grandes contingentes populacionais, expulsos de suas terras pela degradação ambiental, tornando-se refugiados ambientais. Nesse diapasão, a migração forçada provocada por secas, enchentes ou colapsos ecológicos não é um fenômeno recente, tampouco isolado: trata-se de um reflexo das contradições históricas entre desenvolvimento econômico e justiça social. Diante disso, é factual pontuar que tais refugiados representam, predominantemente, pessoas marginalizadas economicamente, o que revela a dicotomia da tessitura social: as tragédias naturais são motivadas por interesses capitalistas dominantes, todavia são excessivamente nefastas à população socialmente vulnerável.
Mormente, à luz do materialismo histórico do sociólogo Karl Marx, nota-se que os chamados refugiados ambientais são manifestação estrutural do modo de produção vigente, que submete tanto a natureza quanto os trabalhadores à lógica da acumulação de capital. Sobre isso, sua teoria, conforme dito alhures, oferece uma interpretação da dinâmica social a partir das condições concretas de existência, sobretudo os vínculos econômicos e as formas como o trabalho e os bens são organizados e distribuídos. Em consonância, a exploração intensiva dos recursos naturais, típica das economias capitalistas, reflete a transformação da natureza em mercadoria — um processo criticado por Marx como central à dinâmica do capital. O desmatamento para expansão agrícola, a mineração em larga escala e a construção de grandes empreendimentos energéticos são exemplos de práticas que, ao mesmo tempo em que favorecem interesses econômicos, comprometem ecossistemas e modos de vida tradicionais – tal como Fabiano e sua família, muitas comunidades são expulsas de seus territórios e forçadas a buscar abrigo em regiões urbanas precárias, o que caracteriza uma forma contemporânea de êxodo causado não apenas pela seca ou pela chuva, mas pela priorização sistemática do lucro sobre a vida.
Sob esse ponto de vista, ainda, é imperioso compreender que, tal como postulava o economista alemão, o sistema capitalista opera pela existência mútua de um grupo beneficiado financeiramente e de outro que sofre marginalização econômica. Logo, enquanto a exploração predatória do meio ambiente beneficia a classe burguesa e dominante, a vulnerabilidade dos denominados “Fabianos” perpetua-se.
Outrossim, não obstante a depredação dos recursos naturais, cabe ressaltar como os impactos ambientais são distribuídos de forma desigual entre as classes sociais. Populações pobres, racializadas e historicamente marginalizadas vivem em regiões mais suscetíveis a desastres e têm menos acesso a infraestrutura, seguros ou políticas públicas de proteção. Esse padrão revela o que Marx compreendia como a reprodução contínua das desigualdades materiais: os mais afetados por fenômenos ambientais extremos são justamente aqueles que já se encontram em situação de precariedade. A figura do refugiado ambiental, portanto, encarna não apenas uma vítima de eventos climáticos, mas um sujeito marcado pelas múltiplas opressões de classe, raça e território.
Torna-se evidente, a partir da leitura marxista, a necessidade de repensar as causas estruturais que sustentam tanto a crise ecológica quanto a vulnerabilidade social. Em síntese, a condição dos refugiados ambientais revela a face excludente de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração da natureza e na marginalização de grande parte da população. Fabiano e Vitória, símbolos literários dessa realidade seca, representam a figura de milhões que, ainda hoje, são forçados a caminhar sem rumo diante do colapso ambiental.
Amanda Caroline Vitorasso, Direito (Matutino) - 1° ano.
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