Ao cruzar as grossas portas da centenária capela, um velho cardeal se dirige a uma das cadeiras vagas. Se senta, coloca o barrete vermelho na mesa e aguarda a votação começar. Enquanto espera o início das atividades, o senhor tem sua atenção retida na magnitude do teto da igreja, que abriga a eterna arte de gênios como Michelangelo, Botticelli e Rafael Sanzio. Seus olhos mapeiam toda aquela imensidão, mas se fixam em um pequeno retângulo pouco acima da cabeça dele. Dentro dele, está gravada, provavelmente, a obra-prima de Michelangelo e a estrela daquele belo céu: “A Criação de Adão”. Nela, Deus, em sua magnífica misericórdia, tenta estender os dedos para tocar Adão, que pouco se importa. Sua atenção cessa ao ouvir o cerimonialista dizer, em latim, “Extra Omnes”. Todos para fora, portas fechadas, vai começar o Conclave.
Entre sussurros, orações, olhares cruzados e decisões, pequenos pedaços de papel vão sendo depositados em uma urna de prata, depois, escrutinados e lançados para uma fornalha. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Até que, enfim, toda aquela tensão que repousava entre os cardeais cessa com o anúncio do novo Sumo Pontífice. O velho homem que tanto observava as obras de arte do caprese, agora se direciona a uma janela ao lado da Varanda Central, junto com seus colegas cardeais, para observar a entrada do novo Papa. Era uma manhã, o Conclave havia durado pouco mais de um dia. Uma manhã ensolarada, céu limpo.
Enquanto o Santo Padre não entrava, ele leva seus olhos à praça e a Roma. Observa, do topo daquela janela, a Praça São Pedro lotada. Todavia, não foi a Colunata de Bernini que chamou a atenção do homem, mas, sim, uma figura ao fundo. Uma cena que, embora comum, muito o intrigou. Ele viu um homem no topo de um prédio, com um martelo e um capacete na mão. Estava longe — não apenas da cena que se desenrolava na praça, mas da própria História — e, ainda assim, visível aos olhos atentos do cardeal. Mesmo longe, dava pra sentir seu esforço, o cheiro do suor, o Sol que ardia na pele do trabalhador, mas, claro, tudo sem erguer os olhos para a basílica, pois seu mundo era apenas martelo e sal. Se lembrou das escrituras, Isaías, capítulo 53, versículo 7. Uma profecia a respeito das chagas de Cristo. “Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca”.
Na Jerusalém de dois mil anos atrás, quem calou a boca de Jesus foram seus carrascos. Hoje, quem cala a boca do pobre sofredor? Não seriam aqueles tão oprimidos nos tempos de Nero os opressores de hoje? Poderia ser a Igreja, a que se propôs a libertar homens e almas, a que torna a visão do povo tão opaca acerca da realidade torturante? Ou seria a Igreja apenas o apoio emocional - ou a válvula de escape - de uma gente que clama por vida digna e falha miseravelmente? Será que a Igreja se esforça na busca de um mundo justo ou simplesmente se acomodou com a desigualdade, como Adão se acomodou no mundo terreno?
Novamente, sua reflexão cessou. A bandeira desce, a cruz abre o caminho e o Papa é anunciado para o povo. A vida do cardeal, como um importante escritor da história da Igreja, segue, e o silêncio do trabalhador, em seu extenuante ofício, também.
Felipe Ponciano - 1º Ano, Noturno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário