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domingo, 13 de abril de 2025

O Retrocesso da Razão: A Crise da Ciência em Tempos de Desinformação

No século XXI, apesar dos inúmeros avanços científicos e tecnológicos, a sociedade vive uma contradição alarmante: a crescente desconfiança em relação à ciência. Um reflexo evidente desse cenário é a expansão do movimento antivacina, alimentado por desinformação e teorias conspiratórias amplamente divulgadas nas redes sociais. Em vez de confiarem em especialistas com sólida formação acadêmica e experiência comprovada, muitas pessoas têm dado credibilidade a conteúdos superficiais e sem embasamento, compartilhados por fontes duvidosas. Essa inversão de prioridades revela uma crise profunda de racionalidade e estrutura social, reforçando a sensação de que o mundo, em muitos aspectos, encontra-se fora de ordem.

Essa crise pode ser analisada à luz do pensamento de Auguste Comte, filósofo francês do século XIX e fundador do positivismo. Para Comte, a sociedade humana evolui em três estágios: teológico, metafísico e científico (ou positivo). Neste último, a razão e o método científico substituem a fé cega e a especulação como formas de compreender o mundo. Com base nessa lógica, o progresso social e moral só seria possível quando a ciência fosse aceita como guia da humanidade. No entanto, a ascensão de movimentos negacionistas, como o antivacina, representa uma espécie de “retorno” ao estágio metafísico, no qual crenças pessoais e subjetividades tomam o lugar dos fatos comprovados.

Nesse sentido, a política da não vacinação representa um claro retrocesso civilizacional. Ao rejeitar vacinas comprovadamente eficazes, a sociedade se afasta do estágio positivo e regride a uma lógica quase mística ou emocional, onde opiniões e crenças pessoais se sobrepõem a dados e evidências. Comte alertava que, sem a ciência como guia, a sociedade entraria em desordem – o que, de fato, já se observa com o reaparecimento de doenças erradicadas, a polarização política e a descrença generalizada nas instituições.

Além disso, o abandono da razão compromete o senso de coletividade. O positivismo comtiano também se fundamentava na ética do altruísmo – viver para o outro. A recusa em vacinar-se não é apenas uma escolha pessoal, mas um ato que coloca em risco a saúde de grupos vulneráveis, como idosos e crianças. Quando o indivíduo coloca seu "direito de escolha" acima da vida em comunidade, rompe-se o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade social.

Portanto, o avanço da política de não vacinação, em meio à valorização de discursos pseudocientíficos, revela não apenas um problema de saúde pública, mas uma falência de valores iluministas que sustentam a vida em sociedade. Auguste Comte, se vivo, provavelmente veria nesse cenário um alerta: sem ciência, não há progresso; e sem progresso, o que resta é a desordem – exatamente o que vivenciamos hoje, num mundo onde se crê mais num post viral do que na palavra de um especialista.

- Letícia de Oliveira Silva, Direito matutino


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