Heloísa desperta 4 da manhã. Pensa seriamente pela primeira vez no dia se vale a pena todo esse sofrimento. Ela se levanta, vai ao banheiro e percebe que, novamente, sua água tinha sido cortada, era assim na maioria das vezes. Heloísa respira profundamente –sempre surpresa por isso acontecer, mas ainda assim já muito acostumada-, veste o chinelo da sua mãe, sai rapidamente de casa e bate 3 palmas na frente do vizinho. Ele já sabe, então já abre a porta e a entrega um balde cheio d’água, Heloísa, ainda sonolenta, agradece rapidamente e volta aos seus afazeres. Ela se olha no espelho e observa os seus olhos cansados, as olheiras profundas e se questiona pela segunda vez no dia o porquê de tudo isso, se algum dia tudo melhoraria. Percebeu que se perdeu nos pensamentos, então Heloísa olha a hora, se assusta e pensa que o ônibus está prestes a passar. Ela pega a mochila e corre direto para o ponto rezando para que não se atrase de novo para a aula. Aliviada, tinha chegado a tempo, mas, como todos os dias, não havia lugares sobrando. Isto é, mais uma vez ficando 1 hora e meia em pé até chegar na faculdade. Heloísa olha ao seu redor, encontra colegas da sua comunidade na mesma situação e se questiona pela terceira vez no dia: “É isso que o mundo tem pra mim? Eu não posso ser maior que isso?”
Embora tenha se atrasado alguns minutos para a aula, finalmente chegou em seu destino. No dia anterior, Heloísa não havia conseguido ler os textos da matéria, então imaginava que iria ficar um pouco perdida e talvez muito atrás de seus colegas. Ela sempre pensava isso, pois já tinha escutado comentários sobre não pertencer àquele ambiente... os comentários iam longe e, infelizmente, já chegou em seus ouvidos que seu lugar era a favela, e não ali. Pela quarta vez no dia- oito e meia da manhã-, Heloísa se questionava se o mais correto seria voltar para casa, seguir os passos da mãe e continuar a viver o ciclo que lhe foi imposto, quem sabe, assim, poderia evitar mais e mais julgamentos...
Como de costume, havia perdido alguns minutos dentro da sua própria cabeça, mas logo acordou e percebeu que o professor rapidamente começou a explicação da matéria. Heloísa nunca tinha ouvido falar do tema do dia: Funcionalismo, o qual explica que cada indivíduo exerce um papel em prol da harmonia e da estabilidade da sociedade. De primeira, lhe parecia uma teoria interessante e sensata, a explicação era coerente e os argumentos aparentavam ser válidos. “Todos têm uma função a seguir com o objetivo de evitar a anomia, ou seja, a deterioração das regras que mantêm a coesão social”, disse o professor. Heloísa compreendeu, também, a ideia da coerção social, de se sentir julgado quando sai dos padrões. “Talvez não exista um julgamento físico sobre as suas ações, mas certamente haverá um julgamento moral, um sentimento de não pertencer àquele local”, completou o educador. Ela se sentia dessa maneira naquela sala de aula, como se a maioria a visse como inferior e o desgosto da turma. Para sua família, era a realização de um sonho; para o resto do mundo, um estorvo. Durante a aula, prestava atenção e ao mesmo tempo se identificava, parecia ser tudo uma explicação. De repente, parecia ser o contrário disso.
O professor começou a explicar e justificar certas frases de Émile Durkheim que não faziam sentido para a estudante. O sociólogo partiu da ideia de que se algo persiste, é porque é funcional. Além disso, Heloísa também entende melhor a ideia da estabilidade proposta pela corrente filosófica. “Estável para quem? ”, pensa ela. O educador ainda completa que Durkheim partia do ponto de uma sociedade unida em prol da ordem, mas Heloísa já não mais acreditou nesse discurso. Então, ela se questiona pela quinta vez em um curto período de tempo sobre qual seria a sua função para a sociedade funcionar. “Quer dizer então que viver em condições precárias é necessário para um sistema organizado? As desigualdades existem desde o início dos tempos e são essenciais para a manutenção do corpo social? Como tudo isso pode ser justificado dessa forma? ”, disse a estudante. Indignada, continuou a pensar como o funcionalismo, na realidade, apenas justifica os preconceitos e o conservadorismo. Isto é, se Durkheim olhasse para Heloísa e sua condição social, atestaria que a função dela estava sendo cumprida, e se caso não exercesse seu papel, tudo estaria em colapso, em destruição. Talvez fosse exatamente isso que ela gostaria de causar em seu mundo: anomia. Heloísa, a partir daquele momento, estava mais do que determinada a arruinar a sociedade definida pelo funcionalismo. Agora ela compreende.
Isabella de Souza Rodrigues Castanho- 1° ano Direito Noturno
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