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domingo, 13 de abril de 2025

A voz de Ismália e positivismo

"Ismália, Ismália

Quis tocar o céu, mas terminou no chão

Ter pele escura é ser Ismália, Ismália

(...)

'Quando Ismália enlouqueceu

Pôs-se na torre a sonhar 

Viu uma lua no céu 

Viu outra lua no mar 

No sonho em que se perdeu'"

      A música "Ismália" do rapper Emicida faz referência ao poema homônimo de Alphonsus de Guimarães que conta a história de uma garota branca(Ismália) do século XIX que começa a desenvolver transtornos mentais e, em busca de alcançar a lua que via no céu, acaba pulando de sua torre e caindo na lua refletida no mar. O cantor ressignifica a personagem trazendo o ponto de vista de uma mulher negra do século XXI como uma personificação dos transtornos mentais acarretados pelo racismo estrutural e seus impactos na população negra, a qual está constantemente lutando por reconhecimento e direitos mas, assim como é dito na canção, "até pra sonhar tem entrave". 

     O racismo estrutural no Brasil está essencialmente ligado às heranças históricas do período de escravidão que tornaram um conjunto de práticas, normas e instituições características da desigualdade racial em uma base para a sociedade.A socióloga Grada Kilomba argumenta, em um dos seus estudos, que a perpetuação desse preconceito nas estruturas sociais e políticas está ligada ao discurso positivista ,o qual valida apenas certos tipos de conhecimento e experiências, enquanto marginaliza outras, especialmente as que vêm de comunidades racializadas. Desse modo, assim como Kilomba propõe uma reavaliação das narrativas históricas e sociais, "Ismália" busca resgatar e valorizar a história de uma mulher que representa muitas outras, desafiando a visão positivista que tende a simplificar e categorizar as experiências humanas.

      Logo, mesmo que o positivismo "comtiano" seja definido como uma filosofia que enfatiza a importância do conhecimento científico e da observação empírica, o uso desse discurso deve ser analisado de forma crítica, uma vez que, a partir dele, narrativas dominantes muitas vezes desconsideram as vozes e histórias de grupos subalternos. Assim, da mesma maneira que Emicida dá voz a Ismália, uma mulher que enfrenta as dificuldades impostas por uma sociedade que muitas vezes ignora ou silencia suas experiências, a sociedade precisa urgentemente ouvir e valorizar as vozes que foram historicamente marginalizadas, de modo que o tecido social consiga construir e reconhecer a complexidade das identidades e experiências humanas.


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