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segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A transformação da lógica de mercado em lei universal

             A sociologia compreensiva de Weber, dentre as suas inúmeras análises e instrumentos de interpretação do fenômeno social, foi capaz de distinguir uma disputa crescente, num contexto social alemão de incipiente atividade industrial, entre a classe burguesa e a classe proletária pela efetivação de seus respectivos e distintos direitos naturais. À primeira, o aspecto formal dos direitos naturais era central em sua visão de mundo, permitindo-lhe o domínio do restante da sociedade, já que dispunha dos meios necessários para fazê-lo e necessitava apenas da legitimação desses; à segunda, entretanto, convinham principalmente os direitos naturais em seus aspectos materiais, isso porque a sua mera formalização não garantia de fato, por exemplo, a igual possibilidade de ascensão material entre diferentes indivíduos.

            Essa disputa ideológica, que se apresenta analisada por Weber no século XIX, não é, no entanto, específica de tal época, mostrando-se presente ainda na atualidade. A sua contemporaneidade se dá principalmente através de embates ideológicos entre aqueles adeptos do neoliberalismo, cujos axiomas muito se assemelham ao liberalismo tratado por Weber, e aqueles que acreditam em um Estado responsável pela promoção da igualdade, das mais variadas formas, entre os indivíduos. Nesse contexto polarizado, por exemplo, um dos principais pontos discutidos, e que, além disso, mostrou-se extremamente presente nas disputas eleitorais para a presidência do Brasil e de outras nações, como os EUA, relacionava-se com a questão da meritocracia. Esta, defendida fervorosamente entre os adeptos do neoliberalismo (e da direita em geral), revelava o já demonstrado sincretismo por parte da ideologia liberal entre o que seus adeptos defendiam como “lei” de mundo e o que ocorria na realidade. Em outras palavras, atualmente se defende a meritocracia como se esta fosse possível de comprovação na própria realidade, ou seja, como se sua existência fosse intrínseca ao mundo factual.

            Consequentemente, o que acaba ocorrendo, no contexto atual apoteótico do sistema capitalista, é a sujeição das normas sociais à lógica de mercado, isso porque a construção do direito passa encontrar sua validação e fonte no modo de pensar do burguês contemporâneo. De forma a prosseguir na constatação das consequências de tal fenômeno, temos a construção de um direito que atende aos interesses materiais da classe dominante, ou seja, da classe burguesa.

           A partir desse ponto, a dominação da classe operária e daqueles que eventualmente reivindiquem os aspectos materiais dos direitos positivados é extremamente facilitada, e não faltam barreiras para concretizá-la: a linguagem jurídica se torna hermética e compreensível somente a uma classe privilegiada, as decisões judiciais também reafirmam a forma dominante de se pensar a realidade, favorecendo e amenizando sentenças a alguns indivíduos e as endurecendo aos outros, e o direito passa a manifestar como máxima a “segurança jurídica”, cuja fundamentação muito se relaciona com a necessidade capitalista de calculabilidade da vida econômica, tão necessária às grandes corporações e ao mercado atual extremamente fluido, de transações econômicas que podem ser feitas simplesmente através de um smartphone.

            Portanto, a partir da sociologia compreensiva de Weber, é possível constatar as diversas facetas da dominação do pensamento neoliberal e burguês na contemporaneidade, a qual se iniciara meramente no campo do embate ideológico e que terminou por se concretizar no campo jurídico. Não obstante, ficam evidentes as barreiras físicas e imateriais de uma organização social cada vez mais hermética, excludente e, infelizmente, poderosa.

Gustavo de Oliveira Battistini Pestana - 1o ano - Diurno 

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