Olavo de Carvalho sempre foi
uma figura com posições ultraconservadoras controversas, de
declarações conspiracionistas absurdas até regurgitações
infelizes do senso comum brasileiro, ele lentamente se tornou o ninho
intelectual da extrema direita brasileira que culminou com a eleição
do atual Presidente Jair Bolsonaro. E nesse ensaio, publicado
inicialmente em 1995, não há grandes diferenças: nele, Olavo
pretende argumentar contra o que ele chama de “mentiras gays”
que, supostamente, a comunidade LGBT+ tenta espalhar como verdades.
Se passaram 25 anos da
publicação original do texto, porém pouco do discurso homofóbico
do autor (e da própria direita) mudou e, por isso, é interessante
tentar compreender a lógica positivista que ele utiliza para poder
justificar seu posicionamento de aversão com uma comunidade
marginalizada.
O positivismo é,
essencialmente, um modo de olhar para o mundo através a perspectiva
do método científico. Apenas aqueles objetos e eventos que podem
ser experimentados diretamente devem ser objetos de questionamento
científico. Isso significa que para positivistas exitem fatos que
são objetivamente verdadeiros e que, através da observação e
experimentos, eles podem ser descobertos.
E é isso que Olavo tenta, de
maneira falha, fazer nesse texto. Seu primeiro argumento no texto é
que pessoas gays não são marginalizadas e perseguidas pois “alguns
dos tiranos mais sanguinários da História foram gays,
entre outros Calígula e Mao
Tsé-tung”. Esse tipo de argumento é positivista pois tenta
explicar um fenômeno através de exemplos “científicos”, porém
é falho tanto porque é anacrônico (Calígula era um general romano
e as definições de sexualidade da Roma antiga, contra os desejos de
supremacistas brancos de hoje em dia, eram completamente diferentes
de uma Europa católica de hoje) tanto porque não considera que
existem numericamente muito mais “tiranos sanguinários” que
foram heterossexuais que homossexuais.
Percebendo,
então, a fraqueza de seu argumento com casos tão isolados (lembre,
ele ainda tenta usar uma lógica positivista, o que o obriga a olhar
para a sociedade como um todo e não só uma parcela), Olavo tenta
argumentar que casos assim não são a exceção e sim a regra por
causa da ocorrência de casos de escravidão sexual masculina em
colônias europeias. Ora, esse argumento, para qualquer mulher, soa
risível. Segundo o Relatório Global sobre Tráfico Humano de 2018,
70% das vítimas globais de tráfico humano são mulheres e, dentre
essas mulheres, 70% são exploradas sexualmente comparados aos 27%
dos homens. É completamente ridículo usar dessas atrocidades como
argumento para o mal inerente na homossexualidade porque a
porcentagem que essas mesmas violações acontecem com mulheres é
astronomicamente maior. Para cada violência cometida por
homossexuais podem se citar dez
mil cometidas por
heterossexuais. Isso não
muda que nenhum hétero
sofre apenas por ser hétero,
o que não é um tratamento concedido a pessoas da comunidade LGBT+.
Após isso, de maneira bem
positivista, Olavo tenta então questionar o próprio delineamento
que constitui alguém considerado homossexual assim como qualquer
físico ou químico tentaria, inicialmente, definir o objeto de seu
estudo, seja ele a energia ou um estrato social. Em um discurso que
ignora completamente a existência de pessoal bissexuais e afins, ele
cria uma forma de homossexualidade normativa onde, de acordo com ele,
a comunidade gay define sexualidades através da presença da atração
de uma pessoa por alguém do mesmo gênero e não pela ausência da
atração por gêneros opostos. É, novamente, um argumento que beira
o ridículo de tão destoante da realidade, tendo em consideração
que a Escala de Kinsey, que define os espectros da sexualidade, foi
criada em 1948, quase meio século antes da publicação desse
artigo. Uma pessoa bissexual, independente de onde ela se encaixe na
escala, sempre acaba sendo definida e oprimida por se sentir atraída
pelo mesmo gênero – o próprio Lorde Byron, que Olavo fala que
“transou com duas centenas de mulheres e meia dúzia de rapazes”
teve que se divorciar e fugir da Inglaterra por causa de rumores de
sua bissexualidade.
Após isso, Olavo tenta tanto
atribuir quanto retirar valor de sexualidades através de seu valor
evolutivo. Segundo ele, a homossexualidade não deve ser tratado como
a heterossexualidade porque não possui nenhum poder reprodutivo de
continuação da espécie e, portanto, não é necessário. Esse é
um argumento essencialmente positivista pois coloca o “bem do
grupo” acima do “bem individual”, onde a manutenção da moral
é importante para a manutenção da ordem, não importando quais
sacrifícios individuais são necessários. Está subentendido que,
para Olavo, a própria aceitação da homossexualidade corromperia
essa moral que mantém a sociedade no progresso, e esse é o real
cerne de sua homofobia: ele tem medo do que a sociedade seria sem as
limitações da moral conservadora. O problema desse argumento é
que, nós já sabemos o que seria: a humanidade sempre teve
indivíduos que se encaixariam no que nós definimos como a
comunidade LGBT+ hoje em dia e, em várias civilizações da
antiguidade e da modernidade não-ocidental, eles eram aceitos como
todos os outros e isso nunca teve impacto nenhum na continuidade
reprodutiva de uma sociedade ou em sua habilidade de progresso.
O problema central tanto do
positivismo tradicional quanto o da versão distorcida Olavo de
Carvalho se encontra no fato de que uma sociedade que sacrifica
direitos humanos do indivíduo pelo suposto “bem comum” de um
todo simplesmente não merece ser defendida, não tem como divorciar
o bem do coletivo com o bem do indivíduo porque um compõem o outro.
É uma instrumentalização da ciência e da sociologia em que o mais
fraco sempre é a vítima, o mais vulnerável sempre se torna o bode
expiatório para um todo que nunca defendeu seus interesses.
Isadora Lima Ribeiro - 1o Semestre - Direito/Noturno
estatística da ONU
publicação da Escala Kinsey
biografia do Lorde Byron
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