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domingo, 26 de julho de 2020

O positivismo estampado


“Ordem e progresso”. Essa união de palavras expressa a síntese do pensamento positivista e, infelizmente, o lema da bandeira brasileira. Em 1889, com a inserção do modelo republicano no Brasil, foi criada uma série de medidas para a construção de uma identidade nacional, entre elas, a criação da bandeira do país. No século XIX, a corrente positivista, de Augusto Comte, se encontrava super influente na sociedade, sendo muito simpatizada, principalmente pela ala militar, que decidiu homenagear tal forma de pensamento na bandeira nacional, com o fim de conduzir a população brasileira ao positivismo.               
O pensamento positivista, oriundo das revoluções liberais do século XIX e da ascensão burguesa, foi a primeira proposta do campo da Sociologia, feita por Augusto Comte e baseada no estudo da nova sociedade que se formava, para poder organizá-la. Esse estudo, entretanto, era feito sistematicamente, de modo que o objetivo das pesquisas era entender a sociedade pelo que de fato era, e não sua origem ou destino. Assim, a ciência positivista centraliza-se na moral humana, ou seja, um conjunto de padrões de conduta, que gerará a ordem social, e consequentemente, o progresso social. A moral possui o princípio da solidariedade, o negar das ambições individuais, para que a humanidade chegue à organização social positivista e, logo, ao bem estar da sociedade. Essa solidariedade é extremamente interligada ao trabalho prático, ou seja, todo trabalho é digno e possui sua respectiva relevância para contribuir para o bem público e harmonia social. Nessa linha de raciocínio, os indivíduos teriam a obrigação de ser solidários e exercer seu trabalho com honra, sem almejar mudar sua posição social, pois isso quebraria a tão almejada “ordem”. Percebe-se, dessa forma, a normatização que o positivismo traz à desigualdade e desnivelação sociais, pois essas são vistas como naturais e essenciais para o progresso da população.                                                                                                                                                
Atualmente, 131 anos após a Proclamação da República, o Brasil novamente se encontra sob um comando de indivíduos ligados à ala militar e ao positivismo, mais forte do que nunca. De modo decorrente ao fato de a concepção positivista legitimar a desigualdade social, o país, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2019, está em segundo lugar em má distribuição de renda entre sua população, estando apenas atrás de Catar. Logo, esse dado demonstra que, realmente, enquanto muitos indivíduos consideram essencial tal disparidade entre as classes sociais, os que possuem condições precárias de vida, como fome, desabrigo e miséria, são privados de uma vida pautada na dignidade. Medidas poderiam ser tomadas contra tal tipo de situação, como políticas públicas e cotas para entrada em universidades, a fim de permitir que os indivíduos de baixa renda conseguissem mudar sua posição social e obter melhores condições de vida. Porém, o atual presidente do Brasil e ex-militar, Jair Bolsonaro, se posicionou de modo contrário a adesão às cotas para universidades, se pautando no fato de que todos os indivíduos possuem as mesmas oportunidades, somente pelo fato de a igualdade estar prevista na Constituição Federal,  e não no processo histórico que resultou nas desigualdades inegáveis sofridas pela minorias sociais. Esse tipo de discurso remete claramente àquele positivista, no qual não analisa os fenômenos sociais a partir de sua origem, nem permite que ambições sociais sejam alcançadas, temendo desestruturar a ordem.                
Não somente em questões de questões socioeconômicas, Bolsonaro e sua equipe também expressam ainda mais seu apego ao positivismo, quando demonstram convergência com ideias homofóbicas de um dos maiores representantes do conservadorismo no Brasil, Olavo de Carvalho. Esse, em seu livro, “O imbecil coletivo”, escrito em 1996, se apoia no positivismo para explicar a realidade contemporânea. Na visão de Olavo, a “ordem” social se encontra na reprodução humana, que garante a manutenção da humanidade baseada na relação entre homens e mulheres, somente. Assim, para ele, enquanto a heterossexualidade é dada como correta e necessária para o progresso, a união homoafetiva não passa de um desejo individual, a caracterizando como egoísta ao bem estar social e, consequentemente, o indivíduo homossexual não é visto como um ser de direitos sociais. Esse discurso positivista sobre a homossexualidade já foi ratificado pelo presidente e pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humano, o que corrobora para o crescimento de práticas homofóbicas no país, sendo o Brasil um dos países com maior índice de LGBTfobia. Assim, mais são causa danos nefastos os à sociedade pelo anseio da corrente do século XIX em manter a “ordem”.                         
Portanto, desde o fundamento da República no Brasil, o pensamento positivista se tornou, progressivamente, mais presente na sociedade brasileira, legitimando desigualdades sociais, miséria, fome, intolerância e mortes, a partir do simplista argumento de estabelecer a ordem, para chegar ao progresso. A que progresso o país chegará com condutas que ferem a dignidade humana? Os problemas nacionais, em sua maioria, estão estampados no lema positivista da bandeira brasileira, e só serão resolvidos caso esse último seja extinto não só do tecido verde, mas também do pensamento dos indivíduos.

Ana Marcela Nahas Cardili- 1°ano Direito- Matutino

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