“Ordem e progresso”. Essa união
de palavras expressa a síntese do pensamento positivista e, infelizmente, o
lema da bandeira brasileira. Em 1889, com a inserção do modelo republicano no
Brasil, foi criada uma série de medidas para a construção de uma identidade
nacional, entre elas, a criação da bandeira do país. No século XIX, a corrente
positivista, de Augusto Comte, se encontrava super influente na sociedade,
sendo muito simpatizada, principalmente pela ala militar, que decidiu
homenagear tal forma de pensamento na bandeira nacional, com o fim de conduzir
a população brasileira ao positivismo.
O
pensamento positivista, oriundo das revoluções liberais do século XIX e da
ascensão burguesa, foi a primeira proposta do campo da Sociologia, feita por
Augusto Comte e baseada no estudo da nova sociedade que se formava, para poder
organizá-la. Esse estudo, entretanto, era feito sistematicamente, de modo que o
objetivo das pesquisas era entender a sociedade pelo que de fato era, e não sua
origem ou destino. Assim, a ciência positivista centraliza-se na moral humana,
ou seja, um conjunto de padrões de conduta, que gerará a ordem social, e
consequentemente, o progresso social. A moral possui o princípio da
solidariedade, o negar das ambições individuais, para que a humanidade chegue à
organização social positivista e, logo, ao bem estar da sociedade. Essa
solidariedade é extremamente interligada ao trabalho prático, ou seja, todo
trabalho é digno e possui sua respectiva relevância para contribuir para o bem
público e harmonia social. Nessa linha de raciocínio, os indivíduos teriam a
obrigação de ser solidários e exercer seu trabalho com honra, sem almejar mudar
sua posição social, pois isso quebraria a tão almejada “ordem”. Percebe-se,
dessa forma, a normatização que o positivismo traz à desigualdade e
desnivelação sociais, pois essas são vistas como naturais e essenciais para o
progresso da população.
Atualmente, 131 anos após a Proclamação da República, o Brasil novamente se
encontra sob um comando de indivíduos ligados à ala militar e ao positivismo,
mais forte do que nunca. De modo decorrente ao fato de a concepção positivista
legitimar a desigualdade social, o país, segundo o relatório da Organização das
Nações Unidas (ONU) de 2019, está em segundo lugar em má distribuição de renda
entre sua população, estando apenas atrás de Catar. Logo, esse dado demonstra
que, realmente, enquanto muitos indivíduos consideram essencial tal disparidade
entre as classes sociais, os que possuem condições precárias de vida, como
fome, desabrigo e miséria, são privados de uma vida pautada na dignidade.
Medidas poderiam ser tomadas contra tal tipo de situação, como políticas
públicas e cotas para entrada em universidades, a fim de permitir que os indivíduos
de baixa renda conseguissem mudar sua posição social e obter melhores condições
de vida. Porém, o atual presidente do Brasil e ex-militar, Jair Bolsonaro, se
posicionou de modo contrário a adesão às cotas para universidades, se pautando
no fato de que todos os indivíduos possuem as mesmas oportunidades, somente
pelo fato de a igualdade estar prevista na Constituição Federal, e não no processo histórico que resultou nas
desigualdades inegáveis sofridas pela minorias sociais. Esse tipo de discurso
remete claramente àquele positivista, no qual não analisa os fenômenos sociais
a partir de sua origem, nem permite que ambições sociais sejam alcançadas,
temendo desestruturar a ordem.
Não
somente em questões de questões socioeconômicas, Bolsonaro e sua equipe também
expressam ainda mais seu apego ao positivismo, quando demonstram convergência
com ideias homofóbicas de um dos maiores representantes do conservadorismo no
Brasil, Olavo de Carvalho. Esse, em seu livro, “O imbecil coletivo”, escrito em
1996, se apoia no positivismo para explicar a realidade contemporânea. Na visão
de Olavo, a “ordem” social se encontra na reprodução humana, que garante a
manutenção da humanidade baseada na relação entre homens e mulheres, somente.
Assim, para ele, enquanto a heterossexualidade é dada como correta e necessária
para o progresso, a união homoafetiva não passa de um desejo individual, a
caracterizando como egoísta ao bem estar social e, consequentemente, o
indivíduo homossexual não é visto como um ser de direitos sociais. Esse
discurso positivista sobre a homossexualidade já foi ratificado pelo presidente
e pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humano, o que corrobora
para o crescimento de práticas homofóbicas no país, sendo o Brasil um dos
países com maior índice de LGBTfobia. Assim, mais são causa danos nefastos os à
sociedade pelo anseio da corrente do século XIX em manter a “ordem”.
Portanto, desde o
fundamento da República no Brasil, o pensamento positivista se tornou,
progressivamente, mais presente na sociedade brasileira, legitimando
desigualdades sociais, miséria, fome, intolerância e mortes, a partir do
simplista argumento de estabelecer a ordem, para chegar ao progresso. A que
progresso o país chegará com condutas que ferem a dignidade humana? Os problemas
nacionais, em sua maioria, estão estampados no lema positivista da bandeira
brasileira, e só serão resolvidos caso esse último seja extinto não só do
tecido verde, mas também do pensamento dos indivíduos.
Ana Marcela Nahas Cardili- 1°ano
Direito- Matutino
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