- Você, de camisa escura. Me diga: qual sua contribuição para a sociedade no que diz respeito ao seu ofício?
Eu não acreditava. 200 cabeças me encarando, esperando uma resposta satisfatória. Pense! E pense rápido!
- Eu me considero importante pelo fato de ser útil para algo na sociedade.
- E você sente-se honrado pelo seu trabalho?
- De certa forma, sim - eu não sabia onde ele queria chegar. A resposta não era óbvia?
- Isso! Muito bem. Esse é o pensamento que ideal para que a humanidade caminhe para frente. O trabalho enaltece o homem. É necessário para o desenvolvimento da sociedade e consequentemente para o bem estar desta.
Nesse momento, tive um insight certeiro. Como pode o trabalho ser um benefício para a sociedade sendo que este estimula cada vez mais o individualismo? O discurso dele se tornava contraditório a cada palavra emitida. Por impulso, levantei meu braço e esperei ele me atender. Falei, e falei sem impedimentos.
- Mas senhor palestrante, como pode o senhor defender tal ponto de vista em pleno século XXI? O trabalho foi indubitavelmente o motor para a sociedade burguesa que se formava na época que essa corrente positivista foi desenvolvida, servia para justificar as novas atitudes da burguesia em sua fé no progresso retilíneo da humanidade. Porém, com o passar do tempo, é nítido que o trabalho estimula cada vez mais a competitividade, o individualismo, transformando os indivíduos cada vez mais em pessoas egoístas. Será mesmo que a sociedade é beneficiada por esse comportamento? O positivismo de Comte tão presente em seu discurso é contraditório nesse aspecto. Prega uma harmonia social porém super valorizando o trabalho. E, nesse paradoxo, é difícil vangloriar o trabalho, uma vez que ele acaba não levando em conta o bem estar coletivo. Qual é o bem estar que o senhor preza? O trabalho enaltece o homem em qual aspecto? Qual é o real significado pra você, senhor palestrante, de caminhar para frente?
Fez-se silêncio no anfiteatro.
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