Em Economia e Sociedade, Max Weber, um pensador alemão e um dos fundadores da sociologia, analisa diversos aspectos das sociedades ocidentais da virada do final do século XIX e início do XX. Para o autor, um dos ponto centrais da modernidade ocidental é a racionalização da vida. O pensamento científico e a centralidade da razão e do homem na cultura ocidental permeia as concepções de mundo e os diversos elementos da vida social.
No campo do direito, esse processo se expressa pelo protagonismo e força de duas forças específicas de racionalidade: a formal e a material, que, é importante lembrar, são tipos ideias que não se encontram perfeitamente no real. A racionalidade formal é uma abstração (ou tentativa) de criar modelos calculáveis das ações dos indivíduos e seus efeitos, numa tentativa de conter as possibilidades e dinâmicas sociais na norma positivada. Ela é uma tentativa de expressar uma razão universal, que independe das condições e contextos sociais.
A racionalidade material, por outro lado, questiona a anterior pois considera o contexto e a situação. Ideias, valores, exigências, política, condições sociais, princípios éticos, todos fazem parte desse tipo de racionalidade, que ao tempo todo questiona a racionalidade formal e sua pretensão de neutralidade e universalismo. Seu questionamento baseia-se, principalmente, na crítica de que a suposta neutralidade esconde interesses dos grupos que têm maior acesso `a produção do direito positivo.
Diante disso, o pensador alemão afirma que, na modernidade, o campo do direito é sempre um embate constante entre essas duas racionalidades e os sujeitos que atuam politicamente. É importante frisar que mesmo que a classe social dominante exerce maior influência no poder e no direito, eles não estão desvinculados e separados das pressões dos outros grupos, que conseguem influencia-los.
Em classe, analisamos um caso julgado no município de Jales, onde o juiz decide em favor do requerente, uma pessoa transexual, que demanda cirurgia pública pelo sus para trocar de sexo, além da troca de nome e referência ao sexo nos documentos oficiais.
Para embasar sua decisão, o juiz utiliza um argumento muito próximo do fato social durkheiminiamo, o de que existe uma pressão social sobre a pessoa trans que não passou por intervenção cirúrgica e cujos documentos não constem seu sexo de escolha. Essa pressão faz com que a pessoas fique doente, depressiva e seja impedida de viver sua vida plenamente, em busca da felicidade pessoal. A troca de sexo, portanto, garantiria uma vida digna aquele indivíduo e por isso deveria ser proporcionada pelo Estado.
Se analizar-mos o caso pelas lentes weberianas perceberemos aí o embate entre a racionalidade formal e a material. Para a racionalidade formal do direito positivo brasileiro, o sexo da pessoa seria uma questão biológica, facilmente determinável após (e com as tecnologias atuais, antes) do nascimento. Além disso, para essa racionalidade só existem dois sexos, homem e mulher, os quais são constantes durante toda vida. Na base desse pensamento está a biologia, supostamente neutra, e também a reminiscência do cristianismo católico fundador do país, que hoje é velado dentro do direito. Nessa suposta neutralidade, o direito tenta se mostrar universal e a-ideologico.
O julgado, o juiz e o requerente, por outro lado, representam a racionalidade material. Nesse caso ela expressa uma nova forma de articular o mundo, onde o sexo pode ser uma escolha pessoal, onde o Estado tem o dever de garantir a possibilidades dos indivíduos serem felizes e onde há a possibilidade de não se adequar ao binário homem e mulher.
Como dito anteriormente, não devemos esquecer que os dois tipos de racionalidade são tipos ideias. Portanto, na prática, ambos se misturam em cada situação. Arrisco dizer que o objetivo daqueles que articular a racionalidade material no tecido social, buscam torná-la formal, fazer com que ela torne-se parte dessa razão universal que age na sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário