Primo do divino. Assim mostrava-se o direito em seus primórdios. Embora não ocupassem necessariamente a mesma casa (eram distintos, ou pelo menos buscavam diferenciar-se, possuíam seus próprios caracteres), estavam inevitavelmente unidos, como membros de uma só família. Exercia a fé grande influência na vida dos indivíduos. Não matar, não roubar, não levantar falso testemunho sáo regramentos que, em sua essência, provêm do sagrado. Tais princípios religiosos determinavam claramente o que se podia fazer, delimitando a conduta humana. Eram rigorosamente seguidos, sob o medo de, se não o fossem, prestar contas à Deus, visto como entidade suprema responsável por uma só função: tomar nota dos pecados, violações às regras estabelecidas, cometidos (tem-se Deus como o justo juiz, não na figura de um pai, misericordioso). Carregava-se sobre os ombros o peso das consequências contraídas pela trangressão: os dias passados em terra perderiam a doçura do simples viver e seriam amargados pelos castigos vindos do alto, sem mencionar o comprometimento da "vida eterna",por isso não mais garantida.
Esse direito, embriagado por princípios religiosos e também convicções éticas (um direito concebido como sentimento de justiça, que ainda hoje não se aposentou, pelo contrário, cumpre suas tarefas na mente de muitos que somente dessa forma vêem o direito), foi, aos poucos, passando por um processo de desencantamento e impessoalidade. Percebeu que a ele não compete o cuidado com o que reside além do mundo concreto e deixou-se constituir por uma normatividade abstrata, universal, contribuindo também para a emancipação do indivíduo.
É possível, atualmente, observar um direito de caráter racional, de um juízo salomônico (simplesmente divide-se o bebê, sem mais delongas ou especulações), que caminha na difícil tentativa de eliminar do seu vasto jardim as ervas daninhas dos meios irracionais. Admite como pátria as amplas discussões e não restrição a certos grupos (um direito de todos), mas tem buscado refúgio na especificação. Dessa maneira, surgem profissionais que se dedicam exclusivamente ao direito dos animais e dos homossexuais, refletindo a aproximação à determinados grupos, afunilando-se. Romperam esses primos com os laços que tão fortemente os unia? Estariam eles completamente desvinculados? Os notáveis discursos alegam que sim, o sagrado e o direito não mais se misturam ou deixam-se influenciar. Entretanto, o cotidiano dos tribunais e outros meios que vivificam o direito parecem não concordar. Afinal, distantes ou próximos, sempre serão primos.
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