Engana-se quem pensa que o sagrado foi completamente separado do racional na Idade Contemporânea. É certo que a presença de ideais meramente religiosos foi bastante reduzida. Porém, o sagrado ainda ocupa um espaço importante na vida em sociedade.
De acordo com Weber (2004, p.101), no Império Romano já havia a separação entre os mandamentos sacros (las) e o direito estatuído (ius). Essa separação foi necessária para que, sobretudo as trocas comerciais, oferecessem uma maior segurança para as partes contratantes. Por exemplo, a religião condenava a usura, o que atrapalhava os financiamentos.
Imaginem um direito baseado na irracionalidade cristã, vigorando nos dias atuais. A bolsa de valores simplesmente não existiria. O que, talvez, inviabilizasse toda a cadeia produtiva. Não haveria uma sistema financeiro desenvolvido o suficiente para financiar a produção em larga escala. Os grandes fazendeiros simplesmente não obteriam empréstimos para plantar.
Apesar da racionalização do Direito, é certo que ele emana do povo. As normas contém preceitos morais, muitos vindos de textos bíblicos. No Brasil, por exemplo, 90% da população é cristã. Esse contingente elege seus representantes no legislativo que, consequentemente, tem formação religiosa semelhante a de seus eleitores. O resultado é que os preceitos morais presentes nas normas elaboradas provém da religião.
Ora, nas eleições presidenciais de 2010, a candidata Dilma deixou de ganhar as eleições no primeiro turno por conta de uma queda brusca nas intenções de voto. A queda foi atribuída a uma declaração da candidata dizendo "nem Cristo me tira essa vitória". Em seguida, a intenet foi invadida com vídeos de declarações antigas, de quando ela ainda não era candidata, se dizendo defensora da descriminalização do aborto. Os evangélicos, principalmente, se enfureceram, fazendo Dilma perder milhões de votos.
Um exemplo de como os preceitos morais bíblicos influenciam diretamente o direito mesmo num país laico é o Plano Nacional de Direitos Humanos - 3. É um decreto que recomenda ao poder público a descriminalização do aborto para que o problema possa ser enfrentado pelas entidades de saúde pública. Após o ocorrido nas eleições, com a fúria dos evangélicos, o governo aparentemente engavetou a idéia. O custo político de se promover um direito que desagrade a população cristã fez com que o PNDH-3 fosse prontamente esquecido pela candidata que participou de sua elaboração.
No direito brasileiro, há inúmeras demonstrações da proximidade do sagrado em relação ao racional: até 2005, o adultério era crime, podendo resultar em prisão; o Código Civil de 2003 aceita o casamento religioso como casamento civil; a própria questão da proibição expressa do aborto; a Constituição, que reconhece a união entre homem e mulher.
Enfim, em nossas leis e nas interpretações dela estão presentes os irracionalismos do sagrado. A religião ainda exerce influência e possui espaço dentro do direito. O fato, é que enquanto os pastores exercerem forte influência sobre o povo, o Direito emanado sempre terá influências religiosas.
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