Convicções de caráter ético e religioso permearam a aplicação popular da justiça em um estágio primitivo do direito, quando o procedimento irracional, carente de formalidades, se dava de maneira expiatória, visando simultaneamente restabelecer a coesão social e arrefecer os ânimos da consciência coletiva. Em outras palavras, o sagrado, desvinculado de qualquer outra espécie de limitação, costumava regular as relações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e de tantas outras ordens, dos membros de uma comunidade, apresentando como consequência a ampliação do espaço de livre atuação dos governantes ao absoluto, uma vez que estes acabavam por sofrer restrições ao seu poder tão somente de normas sagradas e, por isso, demasiadamente escassas e simples.
A posterior burocracia do poder sacerdotal ou principesco, no entanto, faz com que se imponha ao direito maior racionalidade formal, a qual variava de acordo com o tipo de dominação empregado e o número de funcionários envolvidos. Com isso, reduz-se, em maior ou menor intensidade, a dependência da arbitrariedade do poder vigente, que passa a ser regido pelo formalismo jurídico compendiado em regras pré-estabelecidas, de modo a conceder maior liberdade ao indivíduo envolvido em um processo.
É importante ressaltar, porém, que a influência de conceitos sagrados no direito ainda se faz presente na atualidade, sendo possível distinguí-la tanto em países orientais quanto ocidentais. Nos primeiros, observa-se forte impregnação de convicções próprias da religião dominante não apenas na justiça, mas também na economia e na política, gerando situações, por exemplo, nas quais a divergência oriental em relação aos conceitos ocidentais de direitos humanos afeta a concretização de trocas econômicas de respeitável valia e participação no mercado global. Já nos segundos, ainda que palpável a laicização e racionalização da prática jurídica, é visível a persistente intervenção de instituições religiosas em decisões judiciais de extenso alcance, como a relativa à pesquisa com células-tronco embrionárias ou à união civil homoafetiva.
Na realidade pós-moderna, assim, é inegável uma majoritária racionalidade e cientificidade do direito, do qual costumam afastar-se concepções dogmáticas, da esfera da religião. Há ainda, porém, seja através de reminiscências ou de participações magnas, a intervenção do sagrado, visando perpetuar suas crenças em questões de grande relevo no cotidiano da sociedade, onde permanece, portanto, tanto no âmbito jurídico quanto no econômico, político ou cultural, um constante embate entre a postura científica e a religiosa.
TEMA: O espaço do sagrado no direito atual
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