Ao longo do século XX, eclodiram diversas ditaduras pelo mundo, com destaque à América Latina: Chile, Argentina, México, Brasil, etc. todos esses países passaram por regimes autoritários durante esse período (o Brasil, em especial viveu duas ditaduras em menos de um século). Contudo, muito embora esse tipo de governo seja visto de forma negativa, totalitária e opressora, no século XX muitos enxergavam-no de maneira distinta: viam nas ditaduras o desenvolvimento econômico, a modernização e, por fim, o progresso da nação. Dessa forma, percebe-se que os golpes de Estado ocorridos nessa época contaram com apoio popular, ainda que os apoiadores tivessem consciência de que com a consolidação de tais regimes suas liberdades individuais seriam cerceadas. Cabe agora o seguinte questionamento: por qual razão, então, os indivíduos abririam mão de sua liberdade, de sua autonomia, e direcionariam esforços no apoio a governos ditatoriais?
Sob o ponto de vista sociológico, a resposta
para essa pergunta seria a solidariedade. Segundo o sociólogo Augusto Comte, a
solidariedade assume um lugar central nas organizações sociais, de modo que os
indivíduos passam a abrir mão de suas vontades, de seus desejos, de suas
liberdades, de quem eles são em nome de um coletivo maior, a nação. São feitas,
assim, concessões individuais para que o bem-estar da coletividade seja
atendido. Nega-se a si mesmo em nome do progresso e da ordem de um todo mais
amplo. Dessa maneira, o indivíduo deixa de existir e dá lugar ao coletivo, o
qual tem características e vontades próprias, as quais devem encaminhar à ordem
para que, assim, alcance-se o progresso. Dessa forma, tanto a Marcha da Família
com Deus pela Liberdade de 1964 quanto as manifestações de 8 de janeiro de 2023
representam esse caráter de solidariedade que, na visão comtiana, seria
intrínseco às organizações sociais. Percebe-se nessas manifestações (que distam
aproximadamente 60 anos entre si) clamores, cartazes e gritos em coro que
almejam o retorno da ordem, a qual em ambos os casos, seria composta pela
estruturação da família “tradicional” (casal e filhos heterossexuais), pela
retomada dos valores religiosos (em especial, os valores cristãos), e a adoção
de políticas públicas e medidas econômicas que vão de encontro ao comunismo e
ao socialismo (sistemas de governo que, neste caso, simbolizariam a desordem
desse organismo social).
À vista do exposto, verifica-se o enraizamento
do pensamento positivista na sociedade brasileira, de modo que protestos e
movimentos com características semelhantes surjam em diferentes épocas de sua
história afim de reestabelecerem um mesmo aspecto: a ordem. Esse elemento da
bandeira nacional é crucial para que se alcance outro também presente no mesmo
emblema brasileiro: o progresso. Esse progresso, por sua vez, constituir-se-ia
a partir do desenvolvimento industrial, do crescimento do PIB e da reconquista
da reconquista da “moral” na política nacional. Dessa forma, diferencia-se o
desenvolvimento da nação da ascensão econômica individual, uma vez uma
independe da outra na medida em que esse crescimento da economia brasileira
pode se dá (e se deu ao longo de boa parte de sua história) pelo fortalecimento
das oligarquias e das elites já estabelecidas socialmente. Por fim, esses
movimentos positivistas e ditatoriais verificados no Brasil desde os anos 1960
demonstram, em suma, a anulação dos indivíduos em prol do falso desenvolvimento
da nação, uma vez que os avanços econômicos existentes nunca tiveram como
objetivo oferecer melhores condições de vida à população.
Pedro Aurélio Sola da Silva Rodrigues
RA: 231221088
1º ano Direito Noturno
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