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domingo, 9 de agosto de 2020

Solidariedade x egoísmo

Dentre as inúmeras contribuições do sociólogo Émile Durkheim para o estudo da sociologia, temos o seu estudo sobre como se dão as relações sociais nas sociedades modernas capitalistas. Para Durkheim, nessas sociedades mais complexas, há a forte presença da divisão do trabalho e, dessa forma, da organização dos indivíduos baseados em suas respectivas funções e atividades sociais, que se tornam cada vez mais especializadas. Devido ao extremo grau de especialização e divisão do trabalho nessas sociedades, urge a necessidade de integração dos indivíduos, visto que cada atividade especializada passa a ser indispensável para o funcionamento da sociedade como um todo, pois apesar da especialização das funções das pessoas torná-las mais aptas para uma função, paradoxalmente, menos elas saberão a respeito de outros assuntos, como por exemplo um médico e um agricultor, que possuem conhecimentos diferentes, mas necessitam um do outro para sobreviverem. Essa necessidade de integração entre as pessoas decorrente dessa divisão do trabalho é o que Durkheim chamou de solidariedade orgânica.

            Nesse sentido e refletindo sobre essa solidariedade orgânica na sociedade brasileira do ano de 2020, vemos, num primeiro momento, o quanto essa função social fundamentada no trabalho tornou-se parte da expressão de uma pessoa enquanto indivíduo; e num segundo momento, vemos também, como essa identificação do indivíduo pela sua função social inflou o ego de alguns indivíduos, entrando em atrito com o próprio funcionamento da sociedade e tornando-se uma grande contradição. Sobre um contexto de pandemia e perda de inúmeras vidas no Brasil, seguem os seguintes exemplos:

No dia 7 de julho de 2020, uma mulher profere um ataque verbal a um fiscal da Prefeitura do Rio de Janeiro, sobre as palavras “Cidadão, não. Engenheiro civil, formado. Melhor do que você.”¹, simplesmente porque o fiscal pediu para ela e seu marido colocarem máscaras. Em um outro dia, 19 de julho, na cidade de Santos, um desembargador se nega a colocar máscara, obrigatória por decreto sobre pena de multa, proferindo as seguintes palavras para a guarda civil “Cidadão, não. Desembargador, com contatos. Melhor do que você.”². Esses dois casos mostram o quanto a atribuição do cargo de um indivíduo (sua função social) tornou-se parte da expressão identitária para uma parte da população brasileira, que motivados pelo inchaço de seus egos, exaltam seus cargos sobre o pretexto de humilhar e diminuir o fiscal e a função social desse fiscal a fim de conseguirem o que desejam, no caso, esquivar-se da lei. Essas atitudes nada solidárias, demonstram o extremo grau de egoísmo e individualismo da sociedade brasileira.

Além disso, percebe-se também que esses casos entram em choque direto com o conceito de solidariedade orgânica e a necessidade de integração das pessoas nas sociedades modernas. Isso, pois ao exaltarem suas profissões como sendo melhor que a dos fiscais, essa mulher e esse homem rompem com a coesão social necessária para o funcionamento da sociedade, tanto por não deixarem esses fiscais executarem seus trabalhos, quanto por se abdicarem a cumprir leis e decretos estaduais, como se seus empregos lhes concedesse algum poder especial para não ter de utilizar máscaras, desestruturando assim até mesmo o direito e se constituindo em um dos porquês para a gravidade atual da pandemia por covid-19 no Brasil.

 Logo, nesse sentido é evidente o quanto esses dois casos explicitados correspondem a atitudes egocêntricas que colidem com a noção de solidariedade orgânica ao negaram o cumprimento de leis e a função social dos fiscais, promovendo assim uma desunião e rompendo com a coesão social na sociedade brasileira em um contexto que a coletividade e a união deveriam mais do que nunca prevalecer.


REFERÊNCIAS:

¹SATRIANO, Nicolás. Um dia antes de 'cidadão, não. Engenheiro civil, formado', outra fiscal da Prefeitura do Rio sofreu ameaça durante inspeção. G1 Rio, Rio de Janeiro. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/08/um-dia-antes-de-cidadao-nao-engenheiro-civil-formado-outra-fiscal-da-prefeitura-do-rio-sofreu-ameaca-durante-inspecao.ghtml. Acesso em: 4 ago. 2020.

²SAKAMOTO, Leonardo. "Cidadão, não. Desembargador, com contatos. Melhor do que você”. UOL Notícias, São Paulo. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/07/19/cidadao-nao-desembargador-com-contatos-melhor-do-que-voce.htm. Acesso em: 4 ago. 2020.

André Luiz Gonçalves Primo – 1º Ano Direito Matutino

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