Dentre
as inúmeras contribuições do sociólogo Émile Durkheim para o estudo da
sociologia, temos o seu estudo sobre como se dão as relações sociais nas
sociedades modernas capitalistas. Para Durkheim, nessas sociedades mais
complexas, há a forte presença da divisão do trabalho e, dessa forma, da
organização dos indivíduos baseados em suas respectivas funções e atividades
sociais, que se tornam cada vez mais especializadas. Devido ao extremo grau de
especialização e divisão do trabalho nessas sociedades, urge a necessidade de
integração dos indivíduos, visto que cada atividade especializada passa a ser
indispensável para o funcionamento da sociedade como um todo, pois apesar da
especialização das funções das pessoas torná-las mais aptas para uma função,
paradoxalmente, menos elas saberão a respeito de outros assuntos, como por
exemplo um médico e um agricultor, que possuem conhecimentos diferentes, mas
necessitam um do outro para sobreviverem. Essa necessidade de integração entre
as pessoas decorrente dessa divisão do trabalho é o que Durkheim chamou de solidariedade
orgânica.
Nesse sentido e refletindo sobre essa solidariedade
orgânica na sociedade brasileira do ano de 2020, vemos, num primeiro momento, o
quanto essa função social fundamentada no trabalho tornou-se parte da expressão
de uma pessoa enquanto indivíduo; e num segundo momento, vemos também, como
essa identificação do indivíduo pela sua função social inflou o ego de alguns
indivíduos, entrando em atrito com o próprio funcionamento da sociedade e
tornando-se uma grande contradição. Sobre um contexto de pandemia e perda de
inúmeras vidas no Brasil, seguem os seguintes exemplos:
No dia
7 de julho de 2020, uma mulher profere um ataque verbal a um fiscal da
Prefeitura do Rio de Janeiro, sobre as palavras “Cidadão, não. Engenheiro
civil, formado. Melhor do que você.”¹, simplesmente porque o fiscal pediu para
ela e seu marido colocarem máscaras. Em um outro dia, 19 de julho, na cidade de
Santos, um desembargador se nega a colocar máscara, obrigatória por decreto
sobre pena de multa, proferindo as seguintes palavras para a guarda civil
“Cidadão, não. Desembargador, com contatos. Melhor do que você.”². Esses dois
casos mostram o quanto a atribuição do cargo de um indivíduo (sua função social)
tornou-se parte da expressão identitária para uma parte da população brasileira,
que motivados pelo inchaço de seus egos, exaltam seus cargos sobre o pretexto
de humilhar e diminuir o fiscal e a função social desse fiscal a fim
de conseguirem o que desejam, no caso, esquivar-se da lei. Essas atitudes nada
solidárias, demonstram o extremo grau de egoísmo e individualismo da sociedade
brasileira.
Além
disso, percebe-se também que esses casos entram em choque direto com o conceito
de solidariedade orgânica e a necessidade de integração das pessoas nas sociedades
modernas. Isso, pois ao exaltarem suas profissões como sendo melhor que a dos
fiscais, essa mulher e esse homem rompem com a coesão social necessária para o
funcionamento da sociedade, tanto por não deixarem esses fiscais executarem
seus trabalhos, quanto por se abdicarem a cumprir leis e decretos estaduais,
como se seus empregos lhes concedesse algum poder especial para não ter de
utilizar máscaras, desestruturando assim até mesmo o direito e se constituindo
em um dos porquês para a gravidade atual da pandemia por covid-19 no Brasil.
Logo, nesse sentido é evidente o quanto esses dois casos explicitados correspondem a atitudes egocêntricas que colidem com a noção de solidariedade orgânica ao negaram o cumprimento de leis e a função social dos fiscais, promovendo assim uma desunião e rompendo com a coesão social na sociedade brasileira em um contexto que a coletividade e a união deveriam mais do que nunca prevalecer.
REFERÊNCIAS:
¹SATRIANO, Nicolás. Um dia
antes de 'cidadão, não. Engenheiro civil, formado', outra fiscal da Prefeitura
do Rio sofreu ameaça durante inspeção. G1 Rio, Rio de Janeiro.
Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/08/um-dia-antes-de-cidadao-nao-engenheiro-civil-formado-outra-fiscal-da-prefeitura-do-rio-sofreu-ameaca-durante-inspecao.ghtml.
Acesso em: 4 ago. 2020.
²SAKAMOTO, Leonardo. "Cidadão,
não. Desembargador, com contatos. Melhor do que você”. UOL Notícias, São
Paulo. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/07/19/cidadao-nao-desembargador-com-contatos-melhor-do-que-voce.htm.
Acesso em: 4 ago. 2020.
André
Luiz Gonçalves Primo – 1º Ano Direito Matutino
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