Consagrando-se um
grande sucesso do diretor Stanley Kubrick, o filme Laranja Mecânica (1972)
retrata a vida de Alex Delarge, um jovem transgressor de uma Inglaterra
futurista que é preso e voluntaria-se para um novo e controverso tratamento reabilitador,
o ressocializador “Método Ludovico”. Todavia, apesar da obra ser uma realidade
distópica, pode-se correlacionar, analiticamente, o enredo apresentado com a teoria
sociológica de Émile Durkheim, considerado um dos grandes pensadores modernos.
Nesse sentido, análogo a ficção, tem-se em vista a consideração durkheimiana de
que o crime é, claramente, um fato social o qual exerce, de maneira suscetível,
hábitos e modos de agir nos indivíduos diante de uma coerção exterior.
De início, observa-se que, em Durkheim,
a relação presente entre a infração e a punição deriva de uma resposta da
chamada consciência coletiva, a qual expressa no direito sua causa eficiente,
ecoando seu funcionalismo. Isso se justifica, principalmente, porque a função
do fenômeno social configura-se na manutenção da causa do qual deriva e a
reação punitiva se dá no intuito de evitar a anomia. Dessa maneira, é possível reafirmar
o papel coercitivo do Estado quanto as detenções prisionais as quais visam a
coesão e o equilíbrio para o funcionamento da sociedade, tal qual mostrado na
efetivação do cárcere do personagem principal de Kubrick.
Além disso, Durkheim define a solidariedade,
dividindo-a em mecânica – menos complexa, com uso frequente de um direito repressivo
com duras sanções, tornando o criminoso exemplo e almejando inibir novos atos –
e em orgânica – modelo atual de muitas sociedades que busca um ordenamento mais
restitutivo com a reintegração dos condenados após o cumprimento penal. Novamente, identifica-se aí similaridades
com o filme Laranja Mecânica, de modo bem contraditório, haja vista que, a
princípio, o método Ludovico parece ser uma forma de solidariedade orgânica por
ter um caráter ressocializador. Entretanto, tal tratamento configura-se também
na dinâmica da solidariedade mecânica, uma vez que Alex Delarge é submetido a
sessões torturantes e passa sofrer diversas violências devido a isso, com
intuito de se tornar um “cidadão modelo”, sendo esse o objetivo final do
repressivo Estado distópico representado.
Durkheim formula a visão holística do delito que engloba a reação social no qual cumpre uma função positiva estando integrado à sociedade. Diante de comunidades modernas, conceito de direito restitutivo é vinculado a sua atuação em determinadas funcionalidades, para regular, de maneira harmônica, o corpo social. Tal fato é resultado da especialização característica da contemporaneidade e da divisão do trabalho, o qual consequentemente, ocasiona a desvinculação da difusão do direito perante a consciência coletiva, corroborando para a efetivação do mesmo ao patamar científico, como associa-se no alinhamento da pena e ciência de Delarge.
Ademais, nota-se a relevância do papel da educação na moldura do ser social, sutilmente impondo e naturalizando regras, as quais são interiorizadas pelos indivíduos, reproduzindo no âmbito pessoal comportamentos forjados na dimensão do coletivo. Isto pode ser percebido na obra cinematográfica de Kubrick, diante das passagens as quais Alex Delarge é submetido ao método Ludovico, onde o mesmo é “ensinado” a ter repulsão a atos delinquentes, a fim de incorporar tais conceitos plurais em sua personalidade. Assim, é possível fazer uma analogia da consequência dos grupos sociais tantos nas nossas escolhas quanto na nossa formação ideológica e comportamental.
Torna-se evidente, portanto, que segundo a base durkheimiana o papel da sociologia encontra-se íntegro aos fenômenos sociais e suas funções, gerando a percepção das causas eficientes que se agregam ao funcionamento geral da coletividade, aplicando-se também ao mundo ficcional de Laranja Mecânica. Assim, verifica-se nas sociedades hodiernas e no filme, a metáfora contida em seu título: Alex Delarge se comporta bem, porém não por escolha própria sendo forçado ou/e condicionado a ser um “cidadão modelo” – porque tal uma laranja mecânica, embora seu exterior parecer natural, seu interior é robótico – assim como se exige na reprodução dos costumes do coletivo.
Luana Lima Estevanatto - 1º ano Matutino
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