Durkheim propõe, em sua obra, a realidade do fato social e de suas formas de estudo, competentes à sociologia, sob um olhar científico direcionado à sociedade, em seus termos mais complexos e acontecimentos mais verdadeiros, sendo esse o seu objeto de análise. De fato, a organização social oculta lógicas próprias, partindo do caráter cultural difundido através dos anos e gerações, o que compõe o espírito coletivo que determina as ações mais íntimas dos indivíduos. Esses movimentos coercitivos que influenciam ações e sentimentos na complexidade das relações humanas formam um tópico relevante na obra do sociólogo, de onde se encaminha a conceituação das diferentes solidariedades que mantêm a coesão do tecido social, abrangendo também o fenômeno jurídico, representando a ligação entre o homem e a sociedade.
A solidariedade orgânica, determinada pela divisão do
trabalho e pelas lógicas capitalistas, é a que comporia a atual sociedade, dando
ênfase ao bom funcionamento do sistema ao reincorporar os indivíduos que
transgrediram normas sociais, já que cada um tem um papel próprio, que deve ser
cumprido devidamente para a manutenção do equilíbrio. Porém, esse sistema
contemporâneo comporta desumanizações e teorias que o aproximariam à solidariedade
mecânica, própria de sociedades antigas, segundo Durkheim, em que a maior
coesão se vale da punição severa e da transmissão dos costumes e regras pelos
exemplos mais concretos de sua aplicação, à mão de todos: o medo sendo um fator
essencial ao equilíbrio.
A banalização da violência, por exemplo, como aquela exposta
na mídia, fere a ética ao exibir em um palco as transgressões, defendendo
majoritariamente medidas desumanas, que mais ensejam a violência, e não a resolvem.
Punições mais severas, defesa da pena de morte e outras medidas, são
conceitualizadas como as mais corretas e coerentes para resolver os problemas
sociais, desprezando-se os valores humanísticos, em uma análise incorreta que oculta
problemas existentes no meio carcerário e na perspectiva nacional, em que se
inserem desigualdades, agressões e injustiças, frutos de um longo processo
histórico. A solidariedade mecânica segrega e desumaniza, e as camadas que defendem
tantos absurdos são também condizentes com a desordem desse sistema, que
atualmente luta para permanecer-se sob a luz dos direitos humanos e dos valores
éticos.
Riobaldo, personagem principal de “Grande sertão: veredas”, é
um homem que abandonou o posto de jagunço de sua mocidade, e conta a sua
história de lutas pelo sertão do interior do país, onde a justiça estatal não
conseguia chegar, palco de inúmeras violências inclusive por entidades do
governo e pela camada mais rica, envolvidas em questões políticas que
engendravam maiores conflitos e sofrimentos à sociedade organizada no local. Tal
perspectiva traça críticas pertinentes ao contexto histórico sobre o qual se
fundamenta a atualidade, mostrando sentimentos humanitários que se ausentam em
programas que tratam violência e injustiça como entretenimento, na defesa de um
pensamento que desumaniza o outro. Refletindo sobre as condições de miséria dos
sertanejos à mercê de tanta violência e pobreza, sem esperanças de se contemplarem
pela solidariedade ética, Riobaldo diz, após vencer uma batalha e ver a humilhação
dos inimigos: “Mas como ia não ter pena? O que demasia na gente é a força feia
do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente”.
Essa simples fala, além de evidenciar uma reflexão universal proposta
pela fala simples de um sertanejo, mostra uma complexa questão humanitária,
colocando em pauta a empatia, inerente à condição humana, valor completamente
desprezado pela desumanização da atualidade. Sendo as histórias do livro um
traço histórico marcante do país, vê-se a necessidade de refletir sobre o que a
atualidade traz, avaliando a validade de afirmações de tamanho desrespeito à
vida e à ética. De fato, a solidariedade orgânica se organiza sem uma coesão mecânica,
mas permite a construção de ideais mais justos, no sentido de promover a
igualdade e a justiça puras, colocando todos sob as garantias fundamentais, que
devem ser defendidas em sua longa “vereda”, até o alcance pleno da empatia. É dever
de todos garantir a reflexão sobre a condição humana, que se deve valer de
verdadeira solidariedade, ultrapassando o limite sociológico.
Lucas Rodrigues Moreira - Primeiro semestre - Matutino
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