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domingo, 9 de agosto de 2020

Reencontrando a ética nas veredas do grande sertão

  Durkheim propõe, em sua obra, a realidade do fato social e de suas formas de estudo, competentes à sociologia, sob um olhar científico direcionado à sociedade, em seus termos mais complexos e acontecimentos mais verdadeiros, sendo esse o seu objeto de análise. De fato, a organização social oculta lógicas próprias, partindo do caráter cultural difundido através dos anos e gerações, o que compõe o espírito coletivo que determina as ações mais íntimas dos indivíduos. Esses movimentos coercitivos que influenciam ações e sentimentos na complexidade das relações humanas formam um tópico relevante na obra do sociólogo, de onde se encaminha a conceituação das diferentes solidariedades que mantêm a coesão do tecido social, abrangendo também o fenômeno jurídico, representando a ligação entre o homem e a sociedade.

  A solidariedade orgânica, determinada pela divisão do trabalho e pelas lógicas capitalistas, é a que comporia a atual sociedade, dando ênfase ao bom funcionamento do sistema ao reincorporar os indivíduos que transgrediram normas sociais, já que cada um tem um papel próprio, que deve ser cumprido devidamente para a manutenção do equilíbrio. Porém, esse sistema contemporâneo comporta desumanizações e teorias que o aproximariam à solidariedade mecânica, própria de sociedades antigas, segundo Durkheim, em que a maior coesão se vale da punição severa e da transmissão dos costumes e regras pelos exemplos mais concretos de sua aplicação, à mão de todos: o medo sendo um fator essencial ao equilíbrio.

  A banalização da violência, por exemplo, como aquela exposta na mídia, fere a ética ao exibir em um palco as transgressões, defendendo majoritariamente medidas desumanas, que mais ensejam a violência, e não a resolvem. Punições mais severas, defesa da pena de morte e outras medidas, são conceitualizadas como as mais corretas e coerentes para resolver os problemas sociais, desprezando-se os valores humanísticos, em uma análise incorreta que oculta problemas existentes no meio carcerário e na perspectiva nacional, em que se inserem desigualdades, agressões e injustiças, frutos de um longo processo histórico. A solidariedade mecânica segrega e desumaniza, e as camadas que defendem tantos absurdos são também condizentes com a desordem desse sistema, que atualmente luta para permanecer-se sob a luz dos direitos humanos e dos valores éticos.

  Riobaldo, personagem principal de “Grande sertão: veredas”, é um homem que abandonou o posto de jagunço de sua mocidade, e conta a sua história de lutas pelo sertão do interior do país, onde a justiça estatal não conseguia chegar, palco de inúmeras violências inclusive por entidades do governo e pela camada mais rica, envolvidas em questões políticas que engendravam maiores conflitos e sofrimentos à sociedade organizada no local. Tal perspectiva traça críticas pertinentes ao contexto histórico sobre o qual se fundamenta a atualidade, mostrando sentimentos humanitários que se ausentam em programas que tratam violência e injustiça como entretenimento, na defesa de um pensamento que desumaniza o outro. Refletindo sobre as condições de miséria dos sertanejos à mercê de tanta violência e pobreza, sem esperanças de se contemplarem pela solidariedade ética, Riobaldo diz, após vencer uma batalha e ver a humilhação dos inimigos: “Mas como ia não ter pena? O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente”.

  Essa simples fala, além de evidenciar uma reflexão universal proposta pela fala simples de um sertanejo, mostra uma complexa questão humanitária, colocando em pauta a empatia, inerente à condição humana, valor completamente desprezado pela desumanização da atualidade. Sendo as histórias do livro um traço histórico marcante do país, vê-se a necessidade de refletir sobre o que a atualidade traz, avaliando a validade de afirmações de tamanho desrespeito à vida e à ética. De fato, a solidariedade orgânica se organiza sem uma coesão mecânica, mas permite a construção de ideais mais justos, no sentido de promover a igualdade e a justiça puras, colocando todos sob as garantias fundamentais, que devem ser defendidas em sua longa “vereda”, até o alcance pleno da empatia. É dever de todos garantir a reflexão sobre a condição humana, que se deve valer de verdadeira solidariedade, ultrapassando o limite sociológico.

Lucas Rodrigues Moreira - Primeiro semestre - Matutino 

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