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domingo, 9 de agosto de 2020

Red Dead Social Fact

     Atualmente, uma das indústrias mais lucrativas e mais relevantes culturalmente na sociedade é a dos jogos eletrônicos. A prova disso é o lançamento do game de ação “Red Dead Redemption 2”, da produtora “Rockstar Games” em outubro de 2018, que conseguiu faturar 750 milhões de dólares apenas no fim de semana de lançamento, se tornando o jogo mais lucrativo da história. O impacto dessa obra para o entretenimento é inegável, porém, o jogo vai muito além dos belíssimos gráficos e as divertidas mecânicas de gameplay: seu roteiro tem como proposta recontar o surgimento dos Estados Unidos sob o ponto de vista das minorias sociais do fim do século XIX, levando em conta uma análise sociológica profunda e que conversa diretamente com as ideias do sociólogo francês Émile Drukheim (1858 – 1917).

    O jogo Red Dead Redemption 2 se passa no fim do século XIX, mais especificamente durante a Era Dourada (“Gilded Age”), em um momento histórico bem delicado para os Estados Unidos como país, já que ele buscava se reunificar e se reerguer após a Guerra de Secessão (1861 – 1865). É o período em que cidades como Boston e Nova Iorque começam a se industrializar, novas instituições como o FBI surgem e o território passa a ser recortado por uma complexa malha ferroviária. Na memória americana, essa época é de grande avanço econômico e o início da ideia do “sonho americano”, o que contribuiu para a chegada de diversos imigrantes. A história oficial do período reconhece esse momento como anos repleto de prosperidade e avanços tecnológicos e sociais. É importante lembrarmos que isso só ocorre de fato para um pequeno grupo de estadunidenses aristocratas, ligados principalmente aos ramos petrolíferos e ferroviários descendentes de alemães, ingleses e francês, portanto, brancos. Mas o que acontece quando olhamos para as margens dessa sociedade? Qual era a real situação social daqueles que estavam distantes de uma aristocracia ligada aos ramos petrolíferos, ferroviários e latifundiários? Essa revisitação histórica foca justamente num bando de foras da lei marginalizados compostos por pessoas de diversas origens étnicas como irlandeses, afro-americanos e indígenas, responsáveis por atividades de baixo prestígio social: são prostitutas, marinheiros, camponeses, caçadores, caubóis. Durante a história do game, esse grupo vai ser antagonizado por figuras que representam justamente esse “avanço civilizatório” como um poderoso industrial americano, um rico mafioso italiano, duas famílias de oligarcas latifundiários e uma agência de espionagem federal. Esses antagonistas representam o novo centro de poder pautado nos interesses burgueses enquanto os protagonistas são as pessoas que foram deslocadas pelas mudanças movidas pelos interesses desses importantes agentes econômicos. Esse conflito entre uma nova e velha América fica muito marcado por diálogos como a do protagonista, Arthur Morgan, e um dos vilões, em que este último, diz, por exemplo: “Eu sou este país! Vocês são do que as pessoas desse país fogem”.

    Uma narrativa como essa, ainda mais em um período de questionamento da presença de diversos monumentos históricos ligados ao passado da escravidão, principalmente após a morte do afro-americano George Floyd em 25 de maio de 2020, é extremamente relevante socialmente porque critica uma história de um país que sempre foi vista como a história de homens brancos de origem centro europeia. É uma maneira de contar a história de um país pelas margens, mostrando, através dos constantes fracassos do grupo, o fato de que o sonho americano sempre esteve interditado para esses grupos marginais. É uma obra que critica o apagamento daqueles que estiveram presentes na sociedade da época e que foram “engolidos” pelo status quo, até porque, o jogo se encerra com o esfacelamento desse bando liderado por Dutch Van Der Linde proporcionado pelos agentes ligados a aristocracia da época.

    A nova dinâmica social burguesa que surge a partir do período em que se passa o game pode ser compreendida como um agente que simboliza um fato social. De acordo com Émile Durkheim em sua obra “As regras do método sociológico”: “um fato se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência”. Ou seja, quando as ações daquele bando de foras da lei atentavam de alguma forma contra qualquer das instituições burguesas, a resposta vinha imediatamente, na maioria das vezes com enorme violência. Podemos afirmar que a prova da existência do fato social é justamente a existência dessa pressão advinda desses novos agentes sociais. Mas por qual motivo ele ocorre? Ele busca “restabelecer” a norma para evitar que o equilíbrio se rompa, evitando a anomia (deterioração das regras que mantém a coesão social). É preciso destacar que esse equilibro ainda não está totalmente consolidado no momento histórico do jogo, mas ele avança a passos largos de modo extremamente veloz.

    Há um outro conceito de Durkheim que é muito bem demonstrado no jogo: a existência de uma solidariedade mecânica no grupo do Dutch. Seu bando acaba se mantendo através do compartilhamento das mesmas noções no que se refere aos interesses materiais necessários à subsistência do grupo, sendo perceptível uma forte consciência coletiva, praticamente igual as sociedades que Durkheim chamou de “pré-modernas”. Os indivíduos se sentem partem do todo. É interessante analisar também que, por mais que a maioria deles sejam bandidos, eles não se veem particularmente como criminosos, já que não há ofensa da consciência coletiva. No extremo oposto, está a modernidade, mantido por uma sociedade orgânica, na qual a consciência individual é mais acentuada, marcada por uma maior divisão do trabalho, por exemplo. É uma sociedade que mantém sua coesão sem relações obrigatórias de cooperação, muito diferente daquela considerada criminosa.

    Podemos concluir, portanto, que “Red Dead Redemption 2” é um tipo de obra extremamente importante para o momento atual, já que tenta contar uma história que se confunde com aspectos fundacionais da própria historiografia estadunidense. É uma narrativa marcada por dois conceitos durkheimianos (o fato social e a solidariedade), o confronto entre o novo e o velho, a modernidade e o passado, a civilização e a barbárie e o inevitável ostracismo histórico dos grupos marginalizados que experimentam a anomia.


DIOGO PERES TEIXEIRA - DIREITO MATUTINO 1º ANO

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