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domingo, 9 de agosto de 2020

A relativização das anomias em sociedades multiníveis

Na concepção funcionalista de Durkheim, as sociedades devem apenas evitar anomias, momentos de grande discordância social aonde a sociedade pode ser fraturada e deixar de existir como ela era. O robusto direito moderno se apresenta como uma armadura contra as anomias, pois ao definir o tratamento apropriado para as diferentes violações dos fatos sociais, se torna capaz de comportar tais violações sem deixar que elas se tornem anomias, permitindo a inclusão da diversidade nas sociedades modernas. Embora essa visão do direito e das sociedades modernas seja agradável, me pergunto se ela realmente se reflete na realidade.

Perguntemo-nos o seguinte, o que constitui o ser brasileiro? Quais são os fatos sociais do brasileiro? O que significa ser brasileiro? Não duvido que existirão diversas respostas para essas perguntas, e que as respostas ou serão vagas, ou irão refletir fatos sociais de sociedades locais, que não serão compartilhados por todos os brasileiros, os fatos do paulista, os fatos do carioca, os fatos dos indígenas, os fatos do sertanejo nordestino. Se houver algo de comum nas repostas, creio eu que serão mais coisas simbólicas, apontarão a identidade brasileira como sendo a bandeira do Brasil, ou o hino nacional, ou talvez ainda a seleção de atletas desportivos que disputarão jogos internacionais. A sociedade brasileira começa a parecer etérea, será que ela realmente existe? Pois aí está a questão, eu creio que, sociologicamente, não exista "uma sociedade brasileira", que ela seja apenas um abstrato que circunscreve as sociedades locais, um abstrato que justifica um governo federal que foi criado não para satisfazer demandas sociais, mas sim demandas econômicas. Acredito que tais condições estejam presentes na criação de muitos dos estados-nações modernos. Talvez a sociedade brasileira seja intocável e imune à anomias, mas qual seria o verdadeiro valor disso quanto todos os indivíduos brasileiros ainda estão suscetíveis a sofrer as consequências das anomias em um nível local, nas sociedades em que eles estão realmente e efetivamente inseridos?

Ainda assim, deve-se reconhecer que em algumas situações a existência de um direito brasileiro é de inquestionável valor humanitário, na ocorrência de uma calamidade local, as vítimas e os refugiados ainda podem encontrar algum conforto na identidade brasileira, que ainda lhes confere alguma dignidade e algumas proteções. Não argumento pela extinção dos direitos de níveis superiores, ainda que esses sejam pensados para sociedades que ainda são abstratas, como os direitos federais e os direitos humanos, apenas argumento que os direitos, em particular os que dizem respeito sobre questões de governança, são mais efetivos quando pensados no mesmo nível em que estão as sociedades sociologicamente concretas.

As sociedades modernas parecem caminhar seguindo limites impostos pelas ciências tecnológicas, e tentando acompanhar demandas impostas pelas ciências econômicas, mas sem consultar o parecer das ciências sociológicas. Talvez nisso se justifique o caos social moderno, que então será apenas remediado quando as ciências sociológicas forem consideradas na organização das sociedades, ou pela queda da soberania das considerações econômicas na formação dos estados, ou por um intensivo desenvolvimento das ciências sociológicas, para que elas possam operar no mesmo nível imposto pelos desenvolvimentos tecnológicos e econômicos.

Thiago de Oliveira Lopes - Noturno

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