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terça-feira, 19 de junho de 2018

Uma análise da ADPF 54 à luz de Pierre Bourdieu

Pierre Bourdieu iminente sociólogo, Francês, do século XX traz em seu livro ``O Poder Simbólico´´ diversos conceitos acerca das estruturas do direito e da conduta de seus operadores. Nesse sentido, com o intuito de elucidar tais conceitos, é valido trazer à tona a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54.Tal ADPF não descriminaliza o aborto, bem como não cria nenhuma exceção ao ato criminoso previsto no Código Penal Brasileiro, a ADPF 54 decidiu, porém, que não deve ser considerado como aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto anencéfalo.Dessa forma, o presente texto propõe-se a fazer uma análise da ADPF 54 e das falas do eminente juiz Luiz Roberto Barroso à luz dos conceitos de Pierre Bourdieu.

Em primeiro lugar, é valido destacar, como bem argumenta Luis Roberto Barroso, o significativo avanço que essa decisão representa para as mulheres: ''A condição feminina atravessou muitas gerações em busca de igualdade e reconhecimento de seus direitos fundamentais [...] liberdade sexual e direitos reprodutivos [...] o direito que a mulher tem de não ser um útero à disposição da sociedade, mas uma pessoa plena na sua liberdade de ser, de pesar e de escolher''. Essa argumentação é embasada, principalmente,no princípio da dignidade da pessoa humana e na distinção entre aborto e antecipação terapêutica. A dignidade da pessoa humana, de maneira simplista, diz respeito à proteção da integridade física e psicológica das pessoas. A distinção entre aborto e antecipação terapêutica ocorre, pois a anencefalia é uma má formação congênita que tem por consequência uma gravidez de risco para a mãe e a formação de fetos sem cérebros sendo, portanto, incompatíveis com a vida extra uterina. O código civil versa sobre o aborto, pois pressupõe a potencialidade de vida extrauterina. Como no caso da anencefalia o feto não tem perspectiva de vida extrauterina o ato não se encaixaria na classificação de aborto, mas sim como interrupção terapêutica. Nesse sentido, o Estado decidir no lugar da gestante à respeito dessa gravidez representaria uma clara violação da autonomia da vontade e liberdade existencial da mulher. Na visão de Bourdieu esse seria um exemplo claro de violência simbólica que a mulher sofreria.Além disso, é possível destacar, também, o espaço dos possíveis.O espaço dos possíveis se enquadra na medida em que o STF limitou-se a discutir  especificamente o ``aborto de anencéfalos´´ e não a descriminalização do aborto o que trouxe legitimidade ao poder jurídico


Em segundo lugar, como, também argumenta Barroso: ''A decisão da ADPF 54, feita a partir da racionalização,dados médicos e estatísticos, reconhece que existe um desacordo moral razoável.Contudo, não é escolher um lado, mas sim assegurar que cada um possa viver a sua convicção, a sua autonomia e seu ideal de vida boa''. A partir da fala de Barroso é possível extrair vários conceitos de  Bourdieu. A autonomia relativa(ilusão de independência) refere-se ao fato do campo do direito anexar e utilizar conceitos de diversos outros campos para embasar as ações dos operadores do direito.No caso em questão foram utilizados conhecimentos da medicina, história e estatística para se chegar a uma conclusão.Vale destacar que toda essa bagagem cultural e teórica, para Bordieu, que o operador do direito dispõe, é denominada Capital ou Recurso Simbólico e esse capital serial usado para ``ganhar´´ o embate pelo direito de dizer o direito.Verifica-se, também, na fala de Barroso o princípio de neutralização e irredutibilidade do direito. A neutralização diz respeito ao fato de não levarmos em consideração aspectos religiosos e morais como fatores determinantes nas decisões de peso social coletivo. Já a irredutibilidade do direto diz que os conhecimentos da área jurídica- lei, analogia, costumes, jurisprudência- devem se sobrepor aos demais, pois o direito não se reduz às convenções sociais.

Em última fala do Barroso a respeito do papel do Judiciário nesse assunto: ''O processo legislativo e político não produziram uma solução. E quando a história emperra é preciso que uma vanguarda iluminista faça que ela avance. E este é o papel que o STF desempenhará no dia de hoje''.É possível destacar nessa fala o trato do direito de evitar o Instrumentalismo - interpretação do Direito somente sob a perspectiva de uma ciência a serviço da classe dominante-, assim como o Formalismo -como um fundamento em si mesmo. Por fim, é possível concluir, pela fala do Barroso, que a ADPF 54 , por meio do direito, alterou o habitus-interpretação própria acerca de um aspecto da realidade- demonstrando, assim, o poder que o direito tem de induzir condutas.


Alexandre Bolzani Morello-XXXV direito noturno

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