Em seus
estudos, Weber determinou que o Direito é uma expressão da racionalidade do
homem, e, à partir disso, estrutura duas correntes para melhor compreensão da
relação entre o Direito e a racionalidade, classificando em racionalidade
formal a parte do direito posto, positivo, que é o direito calculável, previsto
na lei, não sendo autossuficiente na solução dos casos, sendo necessário o
trabalho em conjunto com a racionalidade material, ou seja, aquela na qual o
direito leva em conta as particularidades de cada grupo, os interesses, as
exigências éticas, políticas, etc.
Tendo em
vista tais classificações, podemos dizer que no caso exposto em Jales, em que a
parte autora pleiteia uma cirurgia de transgenitalização e alteração do nome,
bem como a constatação de que pertence ao sexo feminino, o juiz responsável,
Fernando Antônio de Lima, utilizou-se da racionalidade material em conjunto com
a formal para decidir sobre o caso.
Consta na
ação oficial a ata do processo, no qual é elencado pontos como a consideração
da transexualidade como uma patologia pelo Conselho Federal de Medicina,
havendo necessidade da realização da cirurgia pra adequação do indivídio ao
gênero em que este sente que pertence. Porém, essa afirmação é contestada com
um cunho mais social e menos formalístico, afirmando-se que este é somente uma
forma diferente de viver e ser, de como a pessoa sente-se, e que o sistema
público de saúde deve garantir o bem estar do indivíduo que não sente-se
adequado em seu gênero biológico.
Aduzindo a
este pensamento, o juiz vai mais além, pautando que o preconceito em relação ao
transexual é advindo de uma lógica capitalista de hierarquização familiar, mas
que também a maior aceitação seria mais um interesse do capital na venda de
ideias e produtos de consumo do público não hétero normativo. No sentido deste
pensamento, o sociólogo José de Souza Martins, autor do livro “Exclusão social
e a nova desigualdade” discorre sobre como o capital vende os seres humanos em
diversos momentos distintos de suas vidas, que aqueles que vivem à margem da
sociedade, bem como os indivíduos pertencentes a minorias, não são excluídos,
mais inseridos de forma torpe pelo sistema capitalista, o qual os “vende” como
os seres marginalizados e vitimados que são, cumprindo o ciclo de capitalização
de todos os elementos de um indivíduo, desde seus corpos até suas mentes,
ideais, e abrindo um mercado que atenda ao consumo de produtos pensados para os
indivíduos em questão, como defendido pelo juiz.
Ainda, em
seu livro “O segundo sexo”, Simone de Beauvoir expõe como a construção de
gênero é algo socialmente construído, alicerçado pelo patriarcado, que por sua
vez tem suas raízes no capitalismo. Daí sai uma de suas mais famosas citações, “não
se nasce mulher, torna-se”, explicitando essa ideia do gênero como uma ideia construída,
usada como instrumento de opressão. Destarte, a nova concepção que surgiu na
França acerca dos transexuais não mais como indivíduos portadores de uma
patologia, mas somente indivíduos que vivem e sentem a si mesmos de uma forma
diferente endossa o pensamento de Simone.
Mesmo
contando com essa nova linha de pensamento, o processo de transgenitalização
ainda conta com um longo acompanhamento psicoterápico antes que a cirurgia seja
autorizada pelos órgãos de justiça, ainda causando desgaste ao indivíduo
interessado na cirurgia. Ainda que com os demais avanços nestes processos, é
necessário um profundo estudo sobre tamanha pluralidade dos indivíduos ainda na
formação do juiz, uma vez que o lado social e as particularidades de cada caso
devam ser analisadas individualmente, passíveis de processo jurisprudencial,
para que, no caso, os transexuais não sofram mais com o preconceito externo e a
difícil aceitação pessoal, além da diminuição do sofrimento dessas pessoas na
busca do alinhamento entre sua mente, seu gênero, sua orientação sexual e seu
corpo.
Amanda Segato e Ciscato
1º ano Direito noturno