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domingo, 10 de abril de 2011

Embate entre visões

Reflexões deveras nos são despertadas pelo filme "O Ponto de Mutação". Nele, há um debate entre uma cientista, um político e um poeta. Dos assuntos tratados, evidencia-se a maior importância dedicada à apreciação do legado mecanicista de Bacon e Descartes.
A nós nos é apresentado uma ideia um tanto pejorativa acerca desse legado. Segundo o método mecanicista, deve-se dividir um problema em partes para então buscar respostas para ele. No filme, questiona-se a validez desse método. Eis que então, em um processo de substituição a ele, deveria-se adotar um visão holística acerca do problema.
A consideração de que vivemos em uma "teia de relações" é ponto fundamental na defesa dessa visão. Desse modo, um problema estaria necessariamente interligado ao outro, tanto que, para solucioná-lo, seria preciso ter uma visão do todo e procurar um solução para este, e não para as partes em separado. Bem, isso causa inquietações, no mínimo.
Vamos por partes. Suponhamos que haja uma situação, o nosso todo, que precisa ser analisada, e que não sabemos nada sobre suas partes em separado. Está ali o todo, bem à nossa frente. Ainda, suponhamos que, de algum modo, essa situação compreenda algum conflito, e que queremos resolvê-lo. Que remédio aplicar no todo, sem desmembrá-lo? Como entendê-lo efetivamente? Se eu não tiver algum conhecimento das partes, simplesmente não há como entender o todo. Para elucidar o caso, usemos um exemplo do próprio filme. Têm-se um relógio. Quer-se entender o funcionamento do relógio. Faremos isso a partir do todo ou a partir de cada peça? Como, pergunta-se, COMO pode-se querer entender um relógio a partir do todo? Porque, inevitavelmente, em algum momento, em algum momento MESMO, surgirá uma pergunta mais ou menos assim: pra que serve essa engrenagem? Opa, que me conste, a engrenagem é uma parte. A apreensão do todo provém da análise das partes, simplesmente.
Ainda, outro exemplo do filme. Para acabar com a fome no Terceiro Mundo, seria necessário analisar não apenas a questão da fome, mas também da dívida externa desses países. Sim, claro. Parece bem razoável que essa análise deva ser feita. Agora, com cautela. Se um indivíduo pouco entendido acerca das questões da fome no Terceiro Mundo e da dívida externa deles tentar chegar a uma solução para o todo, dificilmente conseguirá. Entretanto, se um outro tiver vasto conhecimento das duas questões, veja bem, se ele tiver AGUÇADO conhecimento das partes do problema, então ele estará muito mais apto a resolver a questão do que o outro.
Diante disso, é incrivelmente tentador afirmar que a visão holística não pode vir a ser mais do que uma espécie de visão cartesiana maquiada para aparentar um sentido de maior abrangência. Entretanto, não é isso, apesar de algumas semelhanças; Ambas devem considerar as partes de um problema, o que muda é apenas a abrangência do todo. Por exemplo. Ainda sobre a questão da fome. O método cartesiano pode ser empregado para se analisar, isoladamente, tanto a fome quanto a dívida externa. Na concepção holística, as duas seriam analisadas em interligação. Mas, note bem, na análise da fome de acordo com o método cartesiano considerar-se-ia a fome(o todo) e seus pormenores (as partes), enquanto na análise de acordo com a visão holística teríamos a fome relacionada à divida externa (o todo), mas isso implicaria na compreensão de cada uma isoladamente (as partes). Muda-se, apenas, o todo.
Entratanto, é imperativo notar como as partes são analisadas nas duas visões. Na mecanicista, são separadas de fato umas das outras, enquanto na holística elas são integradas. Ora, isso torna algo estranho tentar, então, se chegar a uma compreensão verdadeira das partes nessa última visão, pois elas estarão sempre condicionadas por aquelas com as quais se relacionam, recebendo suas influências e se moldando a elas, enquanto na primeira visão, a partir do momento em que se chega à verdade, ela é fixa. Parece haver, então, na segunda, uma relativização da compreensão das partes. Elas são de um modo ou de outro de acordo com as circunstâncias. Pode-se dizer que há flexibilidade, num sentido otimista. Por outro lado, pode-se dizer que, por ser muito difícil avaliar aí a veracidade de algo, haja alguma falha que não foi verificada e que, por isso, deva haver motivo para desconfiança em relação à compreensão que se faz do todo, enquanto que, da junção das diversas partes que foram previamente constatadas verdadeiras segundo o método mecanicista, só pode resultar outra verdade.
Diante disso, vê-se que o método mecanicista, na verdade, é que proporciona a possibilidade de compreender o todo e expandi-lo, sem margem para erro, desde que verificadas realmente serem verdadeiras as partes. E mais, quanto melhor se conhece cada uma das partes, melhor pode-se determinar o todo. Esse método não causa rupturas na "teia de ligações", não gera um individualismo, um conhecimento fragmentado. O individualismo, nele, existe enquanto busca das verdade acerca de uma parte. Entretanto, uma vez atingida essa verdade, ela passa a ser divulgada para servir de suporte à busca de verdades mais complexas, como frisou o próprio Descartes em "O Discurso do Método". Isso possibilita a ampliação cada vez maior, além de mais exata, da lucidez com que problemas são enxergados.

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