Havia um jovem deitado na cama, com os membros esticados e os lençóis roçando em sua pele nua. Enquanto sentia o sol aquecer sua face, ele se questionava sobre sua vida e todas as reviravoltas pelas quais passou nesses últimos meses. O noivado forçado, a fuga, o casamento, as noites de núpcias, a traição. Muita coisa aconteceu em um pouco tempo.
Um suspiro escapou de seus lábios. Em
pleno início do século XX, e ele ainda fora obrigado a constituir matrimônio
com uma moça, pois estava ficando velho demais para se casar e precisava prezar
pela manutenção do sangue da família. Um tanto arcaico, em sua concepção.
Quando descobriu tal plano de seu pai, a primeira coisa que tentou fazer foi
fugir para a casa de um amigo muito querido, que lhe acolheria sem mais
problemas. Uma péssima ideia, de fato, considerando que fora descoberto e
levado de volta logo no dia seguinte.
Realmente, um dos dias mais tristes de
sua vida, precedendo semanas de confinação em casa, enquanto seu pai escolhia
uma boa garota para casá-lo, e perdendo apenas pro dia do seu casamento.
Enquanto esperava sua noiva no altar, algumas lágrimas de desespero rolaram
indesejadamente. Ele não queria casar com ela, não queria se casar com qualquer
outra moça, qual era o problema de entender? Era tão errado assim não querer
estar com uma mulher? Por que a sociedade precisava tanto que ele tivesse
filhos, que mantivesse a linhagem?
O jovem tremeu quando se lembrou da
noite de núpcias. Fora um terror. Sua então esposa começou a chorar e implorar
para que ele não a machucasse. Demorou muito para a convencer que não queria
nada dela, e que não pretendia tocá-la naquela noite nem em nenhuma das
vindouras. Depois, passaram horas se consolando pelo pesadelo vivido, mas aliviados,
pois teriam com quem contar; mais um aliado, menos um inimigo.
Antes que pudesse reviver a memória
da traição, ele sentiu um movimento ao seu lado. Ao virar sua cabeça,
deparou-se com a pessoa mais linda que já vira na vida, a mais gentil,
engraçada e perfeita, a que lhe domou o coração, o amor de sua vida. Era seu
tão querido amigo, o melhor amigo, o homem com quem verdadeiramente queria
compartilhar sua vida.
Apesar do que parece, não seria dormir
com seu amante o que ele considera o episódio da Traição, pois sempre
pertencera a ele, desde o princípio. Por mais irônico que seja, consumar o
casamento com sua esposa o tornaria mais infiel do que amar seu homem, em sua
opinião. Mas não era essa a lógica da sociedade. Nela, cada um tem sua função
e, caso ofenda sua consciência coletiva, tornar-se-á um criminoso. É melhor
trair sua mulher com mil outras do que se deitar com outro homem. É melhor
causar mal a outra pessoa do que amar livremente. É melhor agir como seu pai,
pego no flagra por sua mãe ao sair de um quarto com outra, magoando-a, do que
abraçar aquele por quem está apaixonado e ouvir um "amo você"
sussurrado e sonolento.
Que sociedade estranha. Mas não
importava, o jovem não se preocupava de ir contra ela para ser feliz ao lado
dele, mesmo que fosse linchado, humilhado, exilado: não deixaria de amá-lo por
uma sociedade tão hipócrita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário